A POESIA CANTANTE DE ADAIR JOSÉ DE AGUIAR

A poesia cantante de Adair José de Aguiar

(*) Guimarães Rocha

O universo e as leis gerais são, há milhares de anos, resumidos em puro amor, por estudiosos, intuitivos, religiosos, pensadores de todo naipe. Estranhar-se não há, que poetas transpirem, vivam e morram de amor. O amor é mágico, miraculoso. Desafia a matemática. É algo que se multiplica quanto mais é dado. Quanto mais se divide, e a cada nova entrega, mais se tem o amor, por causa disso, no coração.

“Sonetos & Sonatas”, de Adair José de Aguiar, é uma canção de amor. Livro publicado em 2006, 172 páginas, traz sonetos no modo italiano e a universal música poética. Os versos cantam e dançam, o leitor mergulha em variados sabores e cores, vive o amor e a dor, saudade, alegria e prantos, flores gritantes da espiritualidade.

Adair José de Aguiar, nascido em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, poeta escritor, cordelista, advogado professor, também formado em Filosofia e Letras, ocupa a cadeira nº 26 da Academia Sul-mato-grossense de Letras, patrono Pedro Medeiros. Reside em Indaial, Santa Catarina, onde é Cidadão Honorário. Publicou, além de “Sonetos & Sonatas” as obras “Sarabico e Tico-Tico”, “Migalhas de Poemas”, “Minha Terra”, “Poemas para Indaial”, “Laís”, “Alma Gaúcha”, “Carreteiro da Saudade” e várias outras.

Canta a poesia com o encaixe inovador de palavras, saindo do convencional. Criativo e tradicional, sublima a mulher: no soneto “A Desconhecida”, escreve que “Todos os dias é assim, cedinho, /Ela, em silêncio, cruza o meu caminho, /Como uma santa que fugiu do altar”. Ama uma goteira: “Mas, no abandono que meu peito abriga, /Por vezes, sonho com meu lar ruinoso, /Sinto saudades da goteira antiga”. Canta a paisagem urbana, amores e sofreres. “Era um cenário plácido de dia, /De muita paz, de tépida harmonia /Por entre os ramos das bonitas flores. — Mas ao cair a escuridão deserta, /O lado vil do ser humano esperta /E vem, na Praça, soluçar as dores”.

O autor tem parceria com a saudade. Saudade das ruas, praças, desamores, cidades; é nostálgico dos anoiteceres na fazenda, do enternecer da passarada, terra, e a tudo isso homenageia. Sabe, portanto, do miraculoso Dom de Deus: em Amor Infinito, “Amor divino e de misericórdia /Que, dividido para a humanidade, /É todo inteiro para cada um”. Também observa a tristeza humana desistente: “Boêmio, sem destino, passa e vai, sozinho /Cigano da ilusão, querido ou mal-fadado, /alvoroçando cães nas curvas do caminho”.

O amoroso guarda um certo sabor gostosamente sofrido ao abrigar com carinho na memória uma desilusão. Na construção “Castigo”: “Tudo estraguei por ela e o meu castigo /É tê-la viva e doloridamente, /Nesta lembrança a soluçar comigo”. E em “Cinzas”: “Se foi de flores que vivi outrora, /Agora vivo de saudade em flor”. Depois, abismado em sentimentos no “Desentendimento”: “Ela se foi e não terá meu pranto, /Levou meu coração. Deixou, no entanto, /A imensa dor desta cruel saudade!”. E ainda, com “Dois Lados”: “Nem só a dor causa pranto, /também se chora de amor”.

Um homem coração. Tem a força de dizer em “Esforço vão”: “Nunca terei dureza de rochedo, /Serei um homem simples e com medo, /Um dominado pelo coração”. Vivido, sóbrio e realista no item “Inconfessável”: “O mundo gosta é dos que são felizes, /Repele veemente os infelizes, /Não quer saber de dores, nem de ais... — Estas chagas da alma tão profundas /Irão a muitos parecer imundas /Se as disseres, sofrerás bem mais...”.

Todo poeta tem que saber pedir licença à morte. Na composição “O Ferreiro”, Adair chora: “Tanto bati, que ele ficou torto, /Destemperou-se e está sem solução, /É ferro velho, um coração já morto”. E vai, com “O Regresso”: “Voltei. Eu vim para ouvir a saudade, /Única voz audível, no abandono /Do lar, em que morreu a mocidade”. O ato de morrer tem o nome de traição nos “Olhos azuis”: “Este meu sonho azul desses teus olhos /É mais um pesadelo do que um sonho, /Em vez de praias, são tredos escolhos. — Pedras azuis, brilhantes, mas geladas, /Um turbilhão azul, meu Deus, medonho, /Onde esperanças foram sepultadas”. A hombridade lúcida abraça, desassombrada, a “Prece”: “Sofri, na vida, mais de mil desterros, /Desilusões de amores malogrados. /Vivi o inferno dos desesperados, /Morri e presenciei os meus enterros”.

— Adair, a misericórdia te espera no tempo, com um olhar flamejante que merecem os poetas jamais perdedores dos amores perdidos.

* Guimarães Rocha

(*) Poeta escritor, membro da Academia Sul-mato-grossense de Letras

E-mail:guimaraespolicial@globo.com

Guimarães Rocha
Enviado por Guimarães Rocha em 25/04/2008
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