RIO DE LÁGRIMAS

Foi com dolorida solidariedade que li a crônica do Engenheiro Heitor Castelo Branco Filho, datada de junho de 2004, em que lamenta a morte do Velho Monge – o falecido Rio Parnaíba, na divisa de Maranhão e Piauí.

Desde a construção da represa egípcia de Assuan, nos anos cinqüenta do século passado, registrada por Jacques Cousteau em documentário intitulado O Nilo, que ficou evidente o desastre sócio-ambiental causado pela empreitada tecnológica fundamentada na lógica do progresso a qualquer custo. O Nilo morreu e o povo que dele se alimentava foi oprimido pelo êxodo rural e outras iniqüidades. O cenário do Egito passou a exibir, ao lado do progresso que beneficiou a poucos privilegiados, as cidades abandonadas pelos jovens e a solidão aflita dos velhos, a degradação e poluição dos lençóis freáticos e recursos hídricos, a falência dos fazendeiros que do Nilo recebiam generosa e gratuitamente o adubo orgânico de alta qualidade para vencer a esterilidade do deserto, por fim, o irremediável desaparecimento de tesouros arqueológicos por submersão. A sardinha do delta simplesmente sumiu. E não nos enganemos, Heitor Castelo Branco sabe o que diz quando lamenta o fato consumado da morte do rio que foi o centro vital de toda uma região. Morreu o Velho Monge como seu irmão africano, o Nilo, executado pelo pelotão implacável dos poderosos tecno-predadores. O mesmo destino é o quinhão dos que em suas orlas gozaram de modestas condições de vida. A lição do Nilo nunca foi aprendida pelos capitalistocratas selvagens. Trata-se da "i-lógica” econômica do Rei Midas - tudo que se toca vira ouro frio que nada alimenta, seja alma ou corpo.

Meio ambiente não é conceito redutível a uma cadeia de ocorrências sobre o meio natural, causadoras de desequilíbrios ecológicos. O que agride à natureza, ao homem atinge, posto que parte indissociável do mundo natural. Ao atingi-lo, fatalmente acarreta conflitos sócio-ambientais. Paviani, Professor Titular aposentado da Universidade de Brasília ensinou, na contramão das conferências internacionais sobre meio ambiente, como Eco-92 e outras, que urge superar a simplificação da abordagem ambiental centrada nos impactos causados pela população sobre os recursos naturais. O meio ambiente é fenômeno complexo por natureza, o homem faz parte de sua composição e não é apenas um seu elemento antagônico. Antagonista ao ambiente é a estrutura monstruosa do mercado global dominada pelos detentores da tecnologia bruta e voltada ao lucro e nada mais. Por que será que pouco se reflete e discursa a respeito dos impactos ambientais negativos causados pelo poder econômico sobre as condições de vida da população?

Concomitantemente à morte de um rio, resultado do desencadeamento sistêmico de fenômenos ecológicos, há todo um desencadeamento de conflitos sócio-ambientais perversos. Está fartamente demonstrado, por vários estudiosos e acadêmicos, que a expansão da fronteira agrícola brasileira tem produzido o êxodo rural, a concentração da propriedade da terra, o inchamento dos espaços urbanos com uma população que não tem acesso aos serviços públicos e que, privada das mínimas oportunidades, colhe a sina da criminalidade, da marginalidade e da implacável impotência. No entanto, os ouvidos têm permanecido de mercador e os corações de pedra. E se alguém ousa denunciar um fato que salta aos olhos, é indefectivelmente imobilizado pela camisa de força do estigma ideológico cristalizado em rótulos simplificadores.

Há uma profunda incoerência no discurso pseudo-ambientalista, que o confina à patética condição de reles retórica. O Estado, que deveria ser o defensor do meio ambiente e do bem estar social, promove o modelo econômico predatório, seduzido pela miragem do aumento de arrecadação tributária. Essa deveria viabilizar projetos sociais. Repetidamente os fatos têm revelado que os prejuízos são muito mais vultosos que os recursos para o saneamento da “degradação sócio-ambiental”. Como disse Castelo Branco, a empresa estabelecida em Uruçuí vai usufruir da dispensa de impostos e depois abandonar o Cerrado empobrecido e privado de sua extraordinária biodiversidade, travestido em monocultura de eucalipto. E haja mais extração barata e impune de recursos naturais. E de quebra, uma população de retirantes será ejetada para espaços urbanos cronicamente despreparados. Em outras palavras, o Estado vai ser onerado com o passivo sócio-ambiental do hiper-lucrativo empreendimento.

O Parnaíba morreu! Uma multidão de desvalidos terá a chorar, amargamente, um rio de lágrimas...