Bacelar Viana: Poeta da Urbe de São Luís

Alfredo Luiz BACELAR VIANA, nasceu em São Luís do Maranhão, terra de poetas, no dia 23 de dezembro de 1938, falecendo na mesma cidade em 1982. Ingressou na Faculdade de Medicina em 1960, fez curso de psiquiatria no Rio de Janeiro, tornando-se professor de psicopatologia e clínica psiquiátrica. Durante muito tempo foi presidente da Associação Maranhense de Psiquiatria. Além de poeta era ensaísta e cronista. Tornou-se membro da Academia Maranhense de Letras, mantendo a tradição familiar, pois era filho do também Acadêmico Fernando Viana. Publicou os livros Elegia da rosa (poesia) e Três evocações (ensaios), além de colaborar em jornais e revistas. Dele disse João Mohana, na crônica O poeta que voltou da morte:

“Existe um sentido profundo nas obras póstumas. É que na verdade são obras feitas em vida, apenas publicadas post mortem. No caso de Clamor de São Luís, encontramos os poemas da última etapa vivida na terrena peregrinação de Bacelar Viana. Representam, portanto, o grau mais avançado da evolução literária a que chegou o poeta de Aula da Saudade.

Bacelar Viana não é um poeta hermético, à semelhança do Nauro Machado de Testamento provincial ou da Adalgisa Nery de Mundos oscilantes. Bacelar Viana é transparente como as fontes de seu cantar. Porque para ele estrela é estrela, pedra é pedra, amor é amor. Claro que o tema São Luís não podia faltar em poeta que assumiu conscientemente sua condição de maranhense.

Ao lado de Dagmar Desterro, de José Chagas, de Bandeira Tribuzi, de Carlos Cunha, de Nauro Machado, de Evandro e Ivan Sarney, de Odylo Costa, de Luís Augusto Cassas, Bacelar Viana integra a plêiade dos cantores desta urbe feiticeira. Contudo, em Bacelar Viana a formação do médico direciona o paladar do poeta. É que ele não abre os olhos nem estende os braços para as sacadas e telhados e azulejos e mirantes da cidade (en) cantada.

Em Bacelar Viana o humanista contempla, impotente, o desamor destrutivo de uma miragem, e com isto submerge na nostalgia de estrofes que não cantam a arquitetura, porque a força antropológica lhe parece mais vibrante. Mais do que os sobrados, quem neles vive e morre torna-se a inspiração para “Clamor de São Luís”. Sem dúvida Bacelar Viana inscreve-se entre os poetas maranhenses que mais dramaticamente enxergaram e denunciaram todas as frentes de miséria nesta cidade tão cantada por tantos."

Pouca coisa há a acrescer nesse texto do insigne escritor e padre maranhense que foi João Mohana. Apenas o fato de que Bacelar Viana representava um tipo de poeta cujas raízes estão arraigadas na sua cidade natural – tipo em extinção engolido pela metrópole sem identidade que não consegue sequer dar certidão de nascimento a seus próprios filhos. Capaz, portanto de escrever uma poesia comprometida com a estrutura física e social da cidade em que nasceu, perseguido os mesmos becos e vielas podres que o acompanharam como sombras.

Ao escrever poesia, Bacelar Viana não larga de lado os bichos e as pessoas, os males e as sandices, os defeitos e as porcarias, tudo que sua visão de humanista preparava para desconstruir, tratando a realidade e a utopia num mesmo plano emocional, conquanto não fosse defeito. É de se perguntar quando os poetas trocaram a camisa que veste o cotidiano, por mais tristeza que a poesia não possa conter, optando por uma estética que beira o universal, mas que não reflete a sua vila?

Ler Bacelar Viana é acender o alerta sobre a necessidade que a poesia tem de não deixar de refletir também a dor e a alegria locais, por mais rastaqüera que isto seja...

CLAMOR DE SÃO LUÍS

Não que não a ame, não, não, não e não...

Amo-a, sim, com a alma trespassada

De muitas dores e muitos desencantos.

Revolta-me pressenti-la estertorosa,

Envelhecendo qual velha prostituta

Na sombra gordurosa dos bordéis.

Amo demais esta cidade velha

Que se desfaz de muitas de suas graças

Para acompanhar os passos lestos

Do Tempo deletério e molestoso.

Vejo-a perder o encanto de suas faces,

A fagueirice risonha de seus gestos

Que ora se perdem nos sórdidos ruídos

Que escapam dos intestinos podres

E dos ventres rotundos, saciados

Do consumo voraz e antropofágico,

Cujos dejetos correm pressurosos

Para adubar a miséria periférica

Que circunda a cidade, quais correntes,

Agrilhoando a alma primitiva

Da gente genuína e inconspurcável.

Olho-a desfigurada, agônica e inquieta,

Sem tempo pra vagares cismarentos,

Envolvida no vórtice da Máquina

Que a quer trepidante e produtiva,

Gerando rosto sem nome e sem passado,

Mãos afanosas que obedecem a cérebros

Manipulados pela Nova Ordem

Cujo lábaro de fogo é o Rei Dinheiro

Que se encastela nos bolsos infindáveis

Da infinitésima parcela dos barões.

Pressinto-a muda e desfigurada,

Sem sinos jubilosos, sem girândolas,

Tecnicalizada, cibernética,

Triste, triste, cada vez mais triste,

Sem poder beber a água do Anil,

Sem poder tomar banho no Bacanga,

Sem poder morder a polpa sumarenta

Das mangas, sapotis e dos cajus.

São Luís, São Luís, o que fizeram de ti?

Os ventos mornos do Atlântico

Não passam mais por aqui,

Não trazem o beijo e o abraço

Do africano sedento

Cujo canto morno e lento

Embalou o sonolento

Verão tupi-guarani.

As aves pancoloridas

Não mais povoam as ribeiras,

Seus trinos já se perderam

No rumor das avenidas,

São vidas, são muitas vidas

Que não vivem mais aqui.

Onde estão as procissões,

O som macho dos rojões,

As festas embandeiradas,

As grandes saias rendadas,

Verdes, azuis, encarnadas,

Vestindo moças brejeiras

Sapecas, namoradeiras,

Escondidas nas varandas,

Cumprindo alegres cirandas

Ao bom compasso das bandas

Do coreto da Matriz?

- Onde é que estás, São Luís?

Onde está o povo bravo,

Heróico no desagravo

Da afronta e do desrespeito?

Onde está o nosso irmão

Que herdou do Bequimão

A coragem e o destemor,

Que levantava a sua voz,

Que enfrentava o poder,

Que pagava com seu sangue

O direito de dizer?

O que é que teu povo diz

Nestes dias, São Luís?

Mui heróica e leal cidade santa,

Estás desfigurada e diferente.

És uma contrafação estranha e dolorosa

Da outrora mimosa capital.

Corre em tuas veias sangue novo

E os germes do progresso a todo custo.

Copias com desfaçatez incrível

Os modismos danosos de outros povos

E não te deitas mais à sombra plácida

Das palmeiras impávidas e indomáveis.

São Luís, São Luís, faze um confiteor, Princesa,

Pára um pouco pra pensar.

Não te enredes na trama

Dos que te querem mudar.

Mantém tua alma intocada

Não te deixes conspurcar.

Tens de crescer para todos,

Não te deixes enganar.

Querem transformar tua beleza

Em algo mecânico e deformado,

Engordam os teus núcleos de miséria

E drenam do teu sangue envenenado

Os sórdidos valores alienados

Que se transferem para as bolsas gordas

De insensibilíssimas figuras

Que cospem e escarram nos teus monumentos.

São Luís, São Luís, cidade amada,

Solarenta pousada à beira-mar,

É com a alma triste e dilacerada

Que entôo esta canção pra te acordar.

Acorda desse horrível pesadelo

Em que te querem pra sempre acorrentar,

Arranca de teu peito o escalpelo

Que pretende tua alma dissecar,

Revolta-te, enfurece-te, ouve o apelo

Dos teus filhos que querem te salvar.

Salomão Rovedo
Enviado por Salomão Rovedo em 10/01/2006
Código do texto: T96812