NAS ENTRELINHAS DAS ESTRELINHAS

Em janeiro de 2003.

A festa popular já silenciou. Após o encerramento ainda há palcos a desmontar na Esplanada dos Ministérios. O teatro da História continua.

O cenário internacional destaca os presidentes de Cuba e Venezuela, Fidel Castro e Hugo Chávez, “forçando amizade” – no dizer goiano – sem dó. Entusiasmados, afirmam sua identificação com o presidente do Brasil. Quanto a Castro o contraste é gritante.

Lula, resultado de uma história, não há de tornar-se um modismo anacrônico. Sua perseverança o capacita a produzir resultados duradouros que dispensarão sustentação ditatorial. Ele se apresenta manso e pacífico ao lado da primeira-dama e derrama ternura pública além de lágrimas; sua imagem está longe de lembrar um clérigo ambigüamente celibatário de tonalidade militar. Ele exala modéstia.

O Vice-presidente José Alencar, em discurso de despedida no plenário do Senado Federal, referiu-se a Lula como pré-destinado. Assim é David, cuja unção como rei de Israel foi delegada por Deus ao profeta Samuel. Encantado com a imponência de Eliab, irmão de David, Samuel levou um puxão de orelha: ‘Mas Javé disse a Samuel: “Não te impressione a sua aparência nem a sua elevada estatura: eu o rejeitei. Deus vê não como o homem vê, porque o homem toma em consideração a aparência, mas Javé olha o coração”’ (1 Sam. 16, 7).

No cenário nacional, estrelas do PT pretendem determinar se a excelência do combatente socialista revolucionário cabe a quem recebeu treinamento em Cuba ou Alagoas. O escritor Cláudio Pacheco, eleito jurista do século no Estado do Piauí, faz referência à arena do poder como espaço onde as pessoas tendem a agir qual crianças entretidas em disputas. Mudanças em nossa natureza exigem mais que alternâncias ideológicas em governos: são transformações em escalas do tempo subjetivo. Paz no governo aos homens e mulheres de boa-vontade!

Compartilho da gratidão ao povo cubano e seu dirigente Castro, também manifestada pelo Ministro Chefe da casa civil José Dirceu. Agradeço-lhes a utopia, força motriz de nossos sonhos, a atrair-nos para alcançá-la. Obrigada pelas lições que podemos colher dessas décadas de socialismo, pelos acertos, e sobretudo pelos erros cometidos. Estes nos mostram o rumo para aproximação ao brilho da estrela desafiadora sempre a nossa frente. Mais que grata, reverencio o povo cubano em sua resistência: mesmo constrangido, enfrenta o medo e conclui que o pão, para saciar, exige o vinho da liberdade. Sem a crítica, o socialismo sofre de estagnação; sem a contradição se esvazia de dinamismo dialético e renovação ideológica. O discurso empobrecido jaz atado ao tema único do inimigo externo. A criatividade se esvai. No horizonte externo ao raio de influência de Castro e aos ambientes fantasiosos do turismo cubano, é possível ver claramente o descontentamento, em especial, da juventude cubana.

É tão frágil a paz como vulnerável a mansidão! Há tanto barulho ameaçando estilhaçar a transparência cristalina do destino. Só o silêncio contempla-ativo nos permite ver brilhar a estrela que segue impassível seu percurso utópico pelo firmamento da História.