O AUTORITARISMO QUE SE APRENDE NA ESCOLA

Ainda é comum ouvirmos comentários saudosistas de pais e até mesmo de educadores – alguns já aposentados – sobre a “excelente” qualidade do ensino no Brasil num passado não muito distante. Trata-se da exaltação de um modelo pedagógico em que o aluno era apenas um repositório do conteúdo ministrado pelo professor. Época do “respeito” – leia-se temor – do aluno para com aquele a quem era obrigado, inclusive, a tratar por “mestre”. A disciplina, ponto basilar desse modelo de ensino, era mantida através da distribuição de notas, suplementada por castigos físicos que iam desde a imobilização do “aluno infrator”, posicionado de pé ou de joelhos, estático, por tempo suficiente para provocar-lhe estafa e incômodo, até a aplicação, pelo professor, dos chamados “coques” ou “cascudos”, puxões de orelha e os “bolos” – golpes de palmatória.

Esse modelo de educação é destinado a preparar o indivíduo para se tornar submisso a quem estiver posicionado acima dele na hierarquia social e autoritário com os que se situarem abaixo dele nessa escala. Eis aí uma das facetas do processo de perpetuação do autoritarismo. Há uma propensão de o indivíduo aprender primeiramente a se tornar submisso para, então, valorizar a sua ascensão na escala hierárquica e submeter à sua autoridade, de forma arbitrária, os que ainda não atingiram a sua posição. É um fenômeno tácito, cujas nuances imbricadas introjetam-se no indivíduo, sem que ele perceba, e moldam o seu comportamento familiar e social; torna-se num fator cultural que é absorvido e aceito como parte de um processo natural.

Esse tipo de relação acaba por se reproduzir no seio da família, no trabalho, nas práticas religiosas, na política e nos contatos interpessoais de um modo geral, porém, é na escola que esse modelo tem sua gênese, o seu criadouro e a sua medrança. Tal modelo é o contrário daquele proposto por Paulo Freire sob a afirmação de que “a educação crítica considera os homens como seres inacabados, incompletos em uma realidade igualmente inacabada e juntamente com ela”; vai de encontro à definição do ato de ensinar por Jean Piaget que afirmou que “ensinar é despertar no aluno a necessidade e o desejo de aprender”.

Vale ressaltar que atualmente, mais precisamente a partir da derrocada do Regime Militar, em 1985, e da promulgação da Carta Magna de 1988, está em voga no Brasil a defesa dos preceitos democráticos e dos direitos humanos, ou seja, o exercício da cidadania plena. Entretanto, os resquícios de um paradigma social autoritário ainda se fazem presentes na cultura do país, manifestando-se, às vezes de forma dissimulada, especialmente no ensino. Há de se esclarecer que o autoritarismo, em qualquer modalidade, não coaduna com cidadania plena. Discute-se, todavia, há algum tempo, as perspectivas de uma Escola Libertadora e, com a vigência da Lei de Diretrizes de Base, fala-se de já ter sido implantado na rede pública de ensino um modelo educacional voltado para a formação de cidadãos autônomos, críticos, criativos e participativos.

Os cursos de licenciaturas produzem licenciados entusiasmados com a revolução que se acham capazes de promover quando ingressarem efetivamente no magistério, mas, será que isto funciona na prática? Os professores da escola pública assumem de fato essa postura revolucionária? Ao que tudo indica, não. Com raríssimas exceções, a velha máxima continua em vigor: “O poder público finge que paga bem o professor, o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende”, havendo ainda mais um agravante: o aluno que finge que aprende hoje será diplomado e poderá vir a ser o professor de amanhã, estabelecendo um circulo vicioso que, em seu conjunto, apresenta um ensino público com nova roupagem mas com um resultado muito próximo da Escola Tradicional.

O educador recém saído da faculdade e entusiasmado com as primícias de um trabalho a ser executado dentro das teorias da Escola Libertadora na rede pública, encontrará um sistema viciado que lhe trará desestímulos e obstar-lhe-á seus desígnios. O professor inovador e dedicado, normalmente é taxado de “Caxias” pelos próprios colegas de magistério e, muitas vezes, angaria a antipatia dos alunos que ao longo dos tempos aprenderam a fazer do horário das aulas apenas um passatempo sem esforço cognitivo ou intelectivo.

A rede privada de ensino surge, então, como um fator diferenciador, apresentando, via de regra, um ensino com melhor qualidade no tocante à apreensão de conteúdos, todavia, não muda a dinâmica da perpetuação do autoritarismo porque se destina, quase sempre, exclusivamente à preparação de vestibulandos e só é acessível a determinadas camadas sociais. Numa reflexão simplória, e admitindo-se as devidas exceções, a rede pública é destinada a formar empregados e a rede privada a formar patrões, dentro das relações autoritárias que sustentam o sistema capitalista.