Direitos Humanos

Fundamentação antropológica dos direitos humanos

O texto a seguir, é um resumo que parte de uma discussão feita no ENFIL (Encontro de Seminaristas de Filosofia) que ocorreu no ano de 2007 no mês de agosto na Diocese de Campo Limpo na cidade de Itapecerica da Serra, que teve como tema: “A concepção antropológica emergente da Conferência de Aparecida e suas implicações no compromisso da Igreja com os direitos fundamentais da pessoa humana”. Teve também como texto base, “Antropologia e Direitos Humanos” do autor Lima Vaz, o qual foi estudado e apresentado pelos presentes no encontro. Participaram deste encontro, seminaristas de toda a região Sul 1 e dentre eles, alunos do segundo e terceiro ano de Filosofia da PUC Campinas: Marcos Paulo Rodrigues (3º ano), Marcel Fabiano (3º ano), Flávio (3º ano) e Arlon Niquison Beltrão e Éder (1º ano de Teologia, atualmente).

Existe um conceito abstrato de pessoa humana, porém, não é pertinente trabalhar com esse tipo de conceito o qual não significa excluir a importância que ele possui no plano universal de uma compreensão dos direitos humanos. Sendo assim deve haver uma adjetivação do ser humano dando-lhe uma qualidade que pode ser entendida e afirmada como sendo a sua dignidade, a qual concentra e traduz toda a ética dos direitos humanos. Essa concentração ética não depende de um enfoque unicamente religioso já que esse o perpassa sendo ponto comum às suas diversas expressões. Essa visão pode ser chamada humanista a qual implica numa abertura ao ecumenismo e ao diálogo interdisciplinar.

É pertinente a problemática de como se pode gerenciar a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, é importante a constante reflexão sobre essa dignidade, traçando um caminho histórico e notando os equívocos cometidos contra os direitos humanos. Para toda essa reflexão há um lugar comum, que é o mundo ou a realidade histórica. Levando em conta a contribuição da teologia da revelação, é coerente e certo afirmar que é no mundo, na realidade, que Deus se revela e se torna inteligível, ou seja, se dá a conhecer. Para conhecer Deus, portanto, é necessário estar atento à realidade que é o lugar por excelência da manifestação do divino e do humano. Somos convocados a ler história e a interpretá-la a luz da fé.

Questões:

1) Não podendo universalizar o conceito de homem, como universalizar o que é condição humana e desumana?

Quando falamos de humanidade estamos usando um conceito universal, então, quando se fala de direitos e deveres independe das culturas, raças, credos (...), o humano é mais do que isso. De modo que, na volta à dimensão particular, nos deparamos com os elementos políticos, sociais, econômicos, culturais, religiosos de cada contexto histórico. Logo ficar só no universal não leva a uma concretude. A visão de totalidade deve passar pelas dimensões concretas. Conforme Lima Vaz: “a particularidade do indivíduo é negada na passagem à universalidade do logos, ela se conserva aí como singularidade, ou seja, como universalidade concreta capaz de tornar-se sujeito de atribuição dos valores e de articular seu ser-em-comum (koinonía) na forma da vida política (bíos politikós). A negação do individuo particular como ser físico ou biológico, que se realiza no movimento universalizante do logos, restitui, portanto o indivíduo como universal ou, propriamente, como político” . Sendo assim, os direitos humanos universais ocorrem na mediação universalizante do indivíduo. Mas isso se dá nas necessidades físicas e biológicas que nós chamamos de necessidades básicas. São necessidades físicas e biológicas que possuem nomes concretos. Isso, o documento de Aparecida chama de rostos concretos das pessoas mais vulneráveis (A, 402). São rostos concretos desfigurados pela dor do sofrimento, tais como: moradores de rua, migrantes, enfermos, dependentes de drogas, detidos em prisões (A, 407-430).

Com isso é superado o conceito vazio e abstrato de direitos humanos, sabendo que a pessoa humana precisa ter as suas necessidades básicas supridas para uma sobrevivência com dignidade. A dignidade pertence à pessoa e não, ao Estado. Deve haver uma formação pedagógica da consciência humana na linha de uma clareza sobre os direitos humanos. “No momento em que os direitos humanos tornam-se um tema de discussão no seio da sociedade política, podemos ter certeza de que as razões de ser dessa sociedade perderam sua evidência. O esforço para reencontrar ou redefinir passa a ser um ato político por excelência, e não apenas, um exercício escolar.” Os direitos humanos são a razão de ser de uma Constituição política de um Estado. Quando os mesmos entram em discussão é sinal de que tal Constituição está em processo de falência. Aqui é importante notar o valor na participação política como meio de se alcançar a condição de cidadania.

2) Por que há tanta hipocrisia?

A questão da hipocrisia nos Direitos Humanos é o mesmo que se dá entre a teoria e a prática, pois sempre vai haver uma distância entre ambas. A teoria deve iluminar a prática, mas a prática deve ser fonte de novas teorias. Nunca podendo estar estacionados, pois o mundo avança.

A concentração das experiências humanas no Ethos faz-nos pensar sobre o pluralismo humano no qual se dá uma diversidade que, iluminada pelo Ethos entendido no sentido de uma cosmonomia se volta a duas funções: a Díke e Thémis, ou seja, a justiça e a ordem. Nesse sentido, busca-se a constituição da cidade da Polis sobre os pilares das deusas gregas acima citadas.

Para que esses pilares possam, de fato, vir a se edificar, é fundamental se entender a ética como conteúdo pedagógico, em outras palavras o ser humano deve ser formado para aplicar essas noções de justiça e ordem provenientes da ética de forma consciente e comprometida. Porque na realidade aprendemos para ensinar. Este aprendizado visa o ensinamento do qual todos somos chamados a postular o caminho da ética e da justiça, tendo em vista a humanização. A busca de uma sociedade justa com a mediação da ética torna-se viva e eficaz quando se vislumbram os direitos fundamentais da pessoa humana possuindo como alicerce a intenção de uma sociedade alegre e feliz. A criação do mundo está em função do ser humano, por isso, se pode falar de uma Eudaimonia (felicidade) no sentido holístico. A antropologia dos direitos humanos implica numa cosmologia como fundamento dos direitos de todas as criaturas.

Com Platão e Aristóteles, temos duas visões de Homem: na concepção do primeiro filósofo temos figurado a questão do homem ideal, supra-sensível; já com o Estagirita, compreende-se esse homem de uma maneira empírico-sensível. Perante essas duas visões do homem, há um evidente perigo de se fazer uma opção por uma ou outra, portanto de haver sim, uma convergência entre as duas. Deste modo, não se pode partir para a linha eliminadora, ao contrário deve-se seguir a Academia (Platão) e o Liceu (Aristóteles). Outra dicotomia na questão dos direitos humanos é a relação teoria e prática, entendendo que a prática sem a teoria torna-se um pragmatismo ou ativismo, ou seja, é uma prática que não faz uso da razão, uma prática atrapalhada e extremista. Por outro lado, teoria sem prática não edifica nada. Nesse sentido, é necessária uma visão dialética da prática e da teoria, na qual uma teoria lúcida sempre incide na prática e uma prática coerente sempre recorre ao uso da teoria. A acentuação política é fundamental para se efetivar essa ética como um projeto que deve universalizar e conscientizar sobre esta mesma ética. Nesse sentido, o projeto política tem alcance prático-ético.

Há que se dar conta do dinamismo histórico que marca nossa realidade com suas diversas mudanças de paradigmas. O mundo é dinâmico. E uma ordem em relação a essa realidade mutante só deve permanecer enquanto for humana, não ideológica. Dom Oscar Romero dá exemplo de como questionar a ordem, pois ele indaga: “quem deu esta ordem?”. Ele questiona a ordem que virou desordem, sendo absolutizada de maneira ideológica. Em suma, pode-se dizer que a ordem desumana não merece respeito e nem obediência.

Quando se universaliza o indivíduo, se pode falar em direitos e deveres comuns. Essa universalização não faz perder a particularidade das condições do indivíduo. Na Antiguidade, existia a noção universal de Lógos que legitimava o poder desarticulando a violência. O poder legítimo, baseado na palavra Lógos, organiza a interação e a socialização do indivíduo. A violência seria, portanto, o não-direito à palavra (Lógos). Esse Lógos garante, também, uma ordem do universo (cosmo), que incide, por comparação na vida do indivíduo sociável. Há uma “cosmonomia” que harmoniza a sociedade política.

Faz-se necessário, portanto, uma educação desses indivíduos que os leve a um pensar e agir ético. Esta ética é iluminada pela razão, que formaria a consciência, chegando, portanto, a uma consciência ética no indivíduo. O caminho da ética se tornaria, por assim dizer, o caminho da justiça. A justiça, através da razão que paradigmamente traz uma nova concepção de homem – e, portanto, transforma o mundo de sua influência histórica – assegura a satisfação do indivíduo, não apenas como um “ser-para-si”, mas como um “ser-para-outros”, um ser social e político. A sobrevivência do mesmo também se encontra numa satisfação social.

Este pensamento do Direito Natural Moderno garantiu ao indivíduo os direitos próprios à sua natureza. Por fim, é a pessoa singular que concretiza a norma ao se universalizar. O direito se torna universal e, também, o indivíduo concreto se universaliza.

Desde o início dos tempos, podemos perceber que há no homem um impulso próprio de ferir o direito do outro, atingir de certa forma a dignidade do outro. Há, em meio à comunidade, não só uma falta de interesse político em favor da humanidade para atingir o conhecimento, mas, principalmente, uma falta de interesse de cada indivíduo em buscar uma maior gama de informação para sair um pouco do senso comum e atingir um grau de conhecimento mais elevado.

Sabe-se que nem sempre os direitos humanos são conhecidos, mas eles existem e estão esperando por nossa procura e aplicação, portanto, eles não virão até nós. Deve haver uma iniciativa própria para que aconteçam.

O poder político acaba monopolizando tudo, deturpando o sentido desses direitos, quando não os abafa – a partir de ideologias – porque nos omitimos em conhecê-los e reivindicá-los e assim perdemos nossa humanidade, pois indivíduos sem direitos deixam de ser humanos e passam a ser fantoches, animais, sem vontade e interesses próprios. Como disse Aristóteles: “Tal é a propriedade peculiar do homem que o distingue dos outros animais: somente ele tem a percepção do bem e do mal, do justo e do injusto e outras qualidades desse gênero”.

O homem é, por natureza, um ser socialmente político e comunicativo, e no processo histórico de construção dessa sociedade política procurou zelar pela integridade humana. Porém, no decorrer dos acontecimentos históricos, o cristianismo interfere de modo concreto, visando ao aprimoramento e mudança de muitas leis em favor da pessoa humana, buscando aprimorá-las com os modelos políticos que se deram no campo dos embates políticos e religiosos de toda a história da humanidade, quando se buscou um humanismo em favor da dignidade do ser humano sem perder de vista o risco que corremos em ficar cada vez mais presos a teorias sem verdadeiras práticas humanas que o Evangelho nos convida a viver.

Uma das soluções é a possibilidade de utilizarmos os documentos e formulações teóricas que já adquirimos, porque a Igreja, enquanto instituição é a maior produtora de documentos e guias, porém, muitas vezes se tornam esquecidos. Para isso, temos que internalizá-los para, depois, levarmos à nossa realidade de vida.

Resumo do texto “Antropologia e Direitos Humanos” do autor Lima Vaz, elaborado por Marcos Paulo Rodrigues – aluno do 3º ano de filosofia da Diocese de Piracicaba