A tragédia da moda


       A tragédia da moda


 

          Os problemas ocorridos no Haiti, nos últimos dias, decorrentes de terremotos que devastaram o país, estão ocupando a mídia de forma massiva. Afinal, desgraças e tragédias são coisas que o público não resiste em acompanhar.

          Sem querer ser insensível e, menos ainda, longe de querer banalizar algo tão chocante quanto tamanha catástrofe, essa exposição constante faz com que, não só as pessoas se sensibilizem como, ainda, lancem seu foco de tal maneira sobre o ocorrido que acabam perdendo o senso de outras tantas desgraças que ficam relegadas ao esquecimento.


          Não há como não ficar tocado com tantas manifestações e atitudes de solidariedade mundo afora e, obviamente, aqui no Brasil em particular. É interessante notar como a população se mobiliza para acudir aqueles que são assolados pela crueldade do destino. Entretanto, infelizmente, não há como deixar de destacar, também, que essa é, apenas, a tragédia da moda. 


          Na África, a situação de milhões de pessoas que sobrevivem em condições lastimáveis não deve ser novidade para ninguém e, salvo pontuais referências que, vez por outra surgem, essa tragédia raramente é lembrada. Parece que os brasileiros não se comovem com isso, porque talvez pensem que todas as crianças de lá já foram adotadas pela Angelina Jolie e pela Madonna.


          Além disso, de tempos em tempos, no Brasil é natural que uma região ou outra se veja em meio a alguma calamidade de grandes proporções. Alguém se lembra das cheias que devastaram Santa Catarina? Não faz muito tempo, Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, também se viu acometida por esse tipo de catástrofe. Nesses casos, certamente, foi grande a mobilização em prol de ajuda, só que o tempo passa e a memória da população vai deixando para trás aquilo que para de ocupar a mídia.


          Dado o destaque da terrível notícia de que existem centenas de milhares de crianças órfãs no Haiti, já surgiram várias almas caridosas, aqui no Brasil, se oferecendo para a adoção. Se, por um lado, isso parece algo que denota um grande senso humanitário e elevado sentido de solidariedade, por outro lado, demonstra a absoluta falta de comprometimento dos brasileiros com os problemas que lhes são bem mais próximos.


          Ora! São relativamente poucos aqueles que pensam nas crianças brasileiras que estão, também, aos milhares, expostas a um sem número de tragédias cotidianas que, por não invadirem a mídia o tempo todo, acabaram, elas sim, sendo banalizadas na consciência do povo. Periodicamente, há campanhas voltadas para arrecadar fundos para o cuidado com nossas crianças, mas só são relativamente bem sucedidas, enquanto ocupam espaço na mídia.


          Basta notar que a mortalidade infantil em nosso país ainda está em níveis alarmantes para saber-se que muito há por se fazer por aqui mesmo, sem necessidade de que haja nenhum terremoto. Isso sem falar na legião de pedintes infantis que rondam as esquinas das principais capitais deste nosso país.


          Quem quer adotar um brasileirinho necessitado? Quem se mobiliza para acudir de forma constante e consequente aos desassistidos de saneamento básico, alimentação e cuidados médicos essenciais e que se espalham por toda a extensão continental de terras brasileiras?


          Sim! O brasileiro é um povo solidário, porém, não guarda em si um mínimo sentido de cidadania. Os nobres traços de caráter dos brasileiros precisam ser educados para aprenderem a lançar foco em nossos próprios problemas que são muitos e, ao longo do tempo, matam, ferem e afligem muito mais pessoas entre nossos próprios compatriotas. Será que alguém espera que alguma catástrofe cinematográfica transforme as desgraças cotidianas do Brasil em tragédias da moda?


          Manter este mundo limpo é obrigação de todos, porém, varrer a porta da própria casa não requer notícia ou chamamento. É questão de consciência, civilidade e cidadania.    


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