Dor Gravada / Cante Lá... Patativa do Assaré

                                                         
                              
Dor Gravada
Patativa do Assaré


Gravador que estás gravando
Aqui, no nosso ambiente,
Tu gravas a minha voz,
O meu verso, o meu repente.
Mas, gravador, tu não gravas
A dor que o meu peito sente!

Tu gravas em tua fita,
Com a maior perfeição,
O timbre da minha voz,
A minha fraca expressão!
Mas não gravas a dor grave,
Gravada em meu coração!

Gravador, tu és feliz!
E – ai de mim! – o que será?
Bem pode ter desgravado
O que em tua fita está.
E a dor do meu coração
Jamais se desgravará!


Cante Lá que eu Canto Cá
Patativa do Assaré

Poeta, cantô da rua,
Que na cidade nasceu,
Cante a cidade que é sua,
Que eu canto o sertão que é meu.
Se aí você teve estudo,
Aqui, Deus me ensinou tudo,
Sem de livro precisá
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mexo aí,
Cante lá, que eu canto cá.

Repare que minha vida
É deferente da sua.
A sua rima polida
Nasceu no salão da rua.
Já eu sou bem deferente:
Meu verso é como a semente
Que nasce in riba do chão.
Não tem estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obra da criação!

Você tem muita ciênça,
Aprendeu aprendeu inducação,
Mas das coisa do sertão
Não tem boa esperiença.
Nunca fez uma paioça,
Nunca trabaiou na roça,
Não pode conhecê bem,
Pois nesta penosa vida,
Só quem provou da comida
Sabe o gosto que ela tem.

Pra gente cantá o sertão,
Precisa nele morá,
Tê armoço de fejão
E a janta de mungunzá,
Vivê pobre, sem dinhêro,
Trabaiano o dia intêro,
Socado dentro do mato.
De apragata currelepe,
Pisando inriba do estrepe,
Brocando a unha-de-gato.

Você é muito ditoso,
Sabe lê, sabe escrevê,
Pois vá cantando o seu gozo,
Que eu canto meu padicê.
Inquanto a felicidade
Você canta na cidade,
Cá no sertão eu infrento
A fome, a dô e a misera.
Pra sê poeta divéra,
Precisa tê sofrimento.

Sua rima, inda que seja
Bordada de prata e de ôro,
Para a gente sertaneja
É perdido este tisôro.
Com o seu verso bem feito,
Não canta o sertão dereito,
Porque você não conhece
Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada,
Cantada por quem padece.

Só canta o sertão dereito,
Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito,
Sem potreção de ninguém,
Coberto de precisão
Suportando a privação
Com paciença de Jó,
Puxando o cabo da inxada,
Na quebrada e na chapada,
Moiadinho de suó.

Amigo, não tenha quêxa,
Veja que eu tenho razão
Em lhe dizê que não mêxa
Nas coisa do meu sertão.
Pois, se não sabe o colega
De quá manêra se pega
Num ferro pra trabaiá,
Por favô, não mêxa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá.

Mas porém, eu não invejo
O grande tesôro seu,
Os livro do seu coléjo,
Onde você aprendeu.
Pra gente aqui sê poeta
E fazê rima compreta,
Não precisa professô;
Basta vê no mês de maio,
Um poema em cada gaio
E um verso em cada fulô.

Seu verso é uma mistura,
É um tá sarapaté,
Que quem tem pôca leitura
Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão
E ôtros negoço impossive.
Eu canto as coisa visive
Do meu querido sertão.

Canto as fulô e os abróio
Com todas coisa daqui:
Pra todo lado que eu óio
Vejo um verso se bulí.
Talvêz, andando no vale
Atrás de curá meus male
Quero arepará pra serra
Assim que eu óio pra cima,
Vejo um dilúvo de rima
Caindo inriba da terra.

Mas tudo é rima rastêra
De fruita de jatobá,
De fulô de gamelêra
E fruita de trapiá,
De canto de passarinho
E da poêra do caminho,
Quando a ventania vem,
Pois você já tá ciente:
Nossa vida é deferente
E nosso verso também.

Repare que deferença
Inziste na vida nossa:
Inquanto eu tô na sentença,
Trabaiando em minha roça,
Você, lá no seu descanso,
Fuma o seu cigarro manso,
Bem prefumado e sadio;
Já eu, aqui, tive a sorte
De fumá cigarro forte,
Feito de paia de mio.


Você, vaidoso e facêro,
Toda vez que qué fumá,
Puxa do bôrso um isquêro
Do mais bonito metá.
E eu, que não posso com isso,
Puxo por meu artifiço
Arranjado por aqui:
Feito de chifre de gado,
Cheio de argodão queimado,
Boa pedra e bom fuzí.

Sua vida é divirtida
E a minha é grande pená.
Só numa parte de vida
Nóis dois samo bem iguá:
É no dereito sagrado,
Por Jesus abençoado,
Pra consolá nosso pranto.
Conheço e não me confundo
Da coisa mió do mundo
Nóis goza do mesmo tanto.

Eu não posso lhe invejá
Nem você invejá eu:
O que Deus lhe deu pru lá,
Aqui Deus tomém me deu.
Pois minha boa muié,
Me estima com munta fé,
Me abraça, beja e qué bem.
E ninguém pode negá
Que das coisa naturá
Tem ela o que a sua tem. ( Fim da gravação ).

***
Aqui findo esta verdade
Toda cheia de razão:
Fique na sua cidade
Que eu fico no meu sertão.
Já lhe mostrei um ispeio,
Já lhe dei grande conseio
Que você deve tomá.
Por favô, não mexa aqui,
Que eu também não mêxo aí,
Cante lá que eu canto cá. (*)

Patativa de Assaré / Antônio Gonçalves da Silva
Do livro: "Cante lá, que Eu Canto cá", Ed. Vozes, 1978, RJ

(*) – Esta última estrofe, embora conste do citado livro, não foi declamada por Patativa, na gravação ao vivo do disco. Não se sabe o motivo pelo qual ele absteve-se de declamá-la.

Sextilhas Para Patativa

Autores: Geraldo Amâncio, Ivanildo Vilanova, Moreira de Acopiara e Otacílio Batista.

Diziam os velhos romanos,
Há muitos anos atrás:
O poeta nasce feito,
O poeta não se faz.
Patativa não se fez,
Seus versos são naturais.

Este poeta capaz
Se pôs homem, foi às praças,
Entendeu todos os credos,
Falou pra todas as raças.
Escreveu todos problemas
Que afligem todas as raças.

Seus poemas são as graças
Da suprema Natureza
Cada estrofe representa
Uma história, uma surpresa!
E só o poeta sabe
Descrever tanta grandeza!

Seus poemas são riqueza,
Sempre servirá a alguém
Essa sua inspiração
É fluido que nos faz bem!
Feliz memória, essência,
Da Arte, que o gênio tem!

Nas maravilhas do bem,
Deus escolheu seus profetas,
Jogando, em seus corações,
Suas mensagens diletas.
Como fez com Patativa
E outros velhos poetas!

São muitas eras completas
De arte e de Poesia,
De repente, de viola,
De poema e Cantoria.
Na Festa do Centenário,
Nós vamo’ estar nesse dia!

Quem nasceu para a Poesia,
Ninguém muda seus arcanos
Que descem, como cascata,
Em busca dos oceanos,
Em defesa de um rebanho,
Contra a seca e alguns tiranos!

São oitenta e cinco anos
De poesias sinceras!
Inclua os anos bissextos,
Some os dias dessas eras:
Que são trinta e uma mil
E quarenta e seis primaveras!

Os seus fãs, entre as galeras,
Formam fabulosas somas!
Seus versos são rosas vivas,
De variados aromas!
Nas lições da Natureza,
Não precisou de diplomas!

Em todos os idiomas,
Seus livros têm tradutor.
Seus versos são declamados,
Desde o matuto ao doutor.
Quem nascer predestinado
Agradeça ao Criador!

Seus livros têm mais sabor
De um beijo, na solidão,
O gosto do milho assado,
Nas noites de São João
E o grito da liberdade
De um povo de pés no chão.

Não fiz melhor, meu irmão,
Outra mensagem mais linda,
Sabe por que, Patativa?
É que estou aprendendo ainda!
Mesmo nas lições de Deus,
A aula nunca se finda!

***
Ouça todo este texto na seção "Áudios - Voz".

                          

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