A noite e as lembranças

A noite e as lembranças

 

 

Na madrugada despertei sobressaltado

com o assovio arritmado desse vento

que chora em sopros, em arfares de lamento,

clamando brisas que só existem no passado.

 

Fui à janela debruçar-me nas lembranças

e o vento trouxe um arremedo de perfume.

Se era o teu o meu suspiro não assume,

porque recusa a se lembrar dessa fragrância.

 

Mirei os céus e a escuridão se salpicava

com mil estrelas em amorfo desalinho.

No firmamento eu vi qual negro pergaminho

com pontos soltos que a visão alinhavava.

 

Juro que vi surgir em bel constelação

tua figura que me olhava e me sorria,

trazendo um rasgo de uma indócil ironia

a fazer troças de meu triste coração.

 

Pensei comigo que essa noite escura e fria

só conspirava contra minha sanidade,

porque insuflava tudo, tudo com saudade

e com lembranças; e lembrar eu não queria!

 

Quando partiste não sei onde ias buscar-te,

mas te perdeste numa busca que é malsã.

E eu te perdi por essa escolha tola e vã

de quem por nada esquece tudo, foge e parte.

 

Por muito tempo a solidão impôs-me o tédio

e acreditei que ser sozinho é estar vazio.

Só que estar só nessa overdose de fastio

é estar repleto de saudades sem remédio.

 

Sonhei que um dia tornarias cá, enfim,

contudo o sonho se desfez na vã espera.

Pensei que a perda era de ti, porém não era.

Quando partiste eu também fiquei sem mim.

 

Por isso, hoje, me assombrando com lembranças

eu já não choro mais a falta que tu fazes.

Co´a solidão há muito tempo fiz as pazes.

Com o amor? Disso não há mais esperanças!