Ajeita a roupa, olha o cabelo e a maquiagem; lamenta o peso e essas dobrinhas salientes. O teu espelho só reflete tais imagens que são contornos; meras cascas tão somente.
Bem sei que podes reformar tua aparência, moldando a face, o corpo e todo o guarda-roupa. Mas nada disso há de mudar tua consciência cuja memória e julgamento não te poupa.
Tu corrompeste tudo aquilo que é decente, prostituíste tua moral por mesquinhez. Pelo caminho magoaste tanta gente que um rio de lágrimas atrás de ti se fez.
Mas o egoísmo, a vaidade e a ambição te entorpeceram os escrúpulos demais. E tu prossegues caminhando nessa mão de fantasia numa vida tão mendaz.
O que possuis dá conforto ao que está fora, os teus prazeres são miragens fugidias. Tudo que tens tão logo vem já vai embora. É triste a busca de algo novo todo dia.
Não se sacia esse apetite por ser fútil, não tem parada essa jornada sem porquê. Cada sorriso que tu dás é tão inútil porque enfeita só o espelho que tu vês.
Atrais muito só os que são iguais a ti, que nada têm afora aquilo que aparentam. Por fora dizem “tudo, tudo eu consegui”; por dentro choram desvarios que lamentam.
E como tu são todos seres solitários, pois só comungam do vazio que contêm. Lhes tire a bolsa e serão podres relicários de iniquidades, de desprezo e de desdém.
Sei que não crês que além do corpo haja mais nada, o que te põe indiferente ao bem e ao mal. Mas lá no fundo tu suspeitas que és errada e tu não ouves essa voz angelical.
Tentei mostrar-te tudo isso, certa vez, e refleti tudo que ia aí por dentro. Viraste o rosto a este espelho onde só vês o que encobres com teus falsos paramentos.
E com teu jeito amoral e sem pudor, naturalmente me puseste porta afora. És solitária, és infeliz no interior e hás de viver sorrindo muito só por fora.
Tu renegaste a este espelho que eu quis ser, não percebeste todo bem que te faria. Quando tu vires a verdade irás sofrer. Pode tardar, mas tu verás quem és um dia.