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O poeta tem que estar descalço
Para saber onde põe os pés
Para conhecer todas as marés
Para nunca pisar em falso.

Marcos Antonio Lizardo, Timburi-SP, 02/02/1962 – 11:15

Para quem acredita nessas tolices: Sol em Aquário, Lua em Capricórnio, ascendente em Áries.

O nome todo é este. Minha mãe queria Paulo Bernardo, meu pai queria Messias Vieira Lizardo Filho. Acabou ficando o nome que seria de meu irmão, que nasceu antes de mim.
Santa Casa de Timburi, o bebê (que era eu) não tinha forças para romper a bolsa, engoliu líquido amniótico. Uma freira, Irmã Lúcia, sugou-lhe com a boca aquela impureza nefasta. Foi o meu primeiro beijo. Minha irmã, nascida depois de mim, ganhou o nome da freira.
Quarto de sete filhos naturais e três adotadas de Messias Vieira Lizardo e Ercília Luiz Lizardo, ele farmacêutico e ela uma dona de casa que queria ter sido professora, criado até os sete anos e meio de idade na cidade de Piraju, quando a família veio morar em São Paulo.

Eu quis ser astrônomo, físico e cientista, advogado, historiador, tecnólogo (que nome danado de bonito!!!). A vida me pregou de suas peças, deliciosas, diga-se de passagem, sou pai, fui marido, sou amigo de muita gente e inimigo de ninguém que eu saiba, mas se souber, mudamos isso com dois dedos de prosa.

Essa coisa de perfil engana muito a gente, tentando falar de quem ou o que somos, de que gostamos, o que fazemos ou de tudo o que gostaríamos de ser, ter, fazer. Esses verbos impossíveis... minha palavra preferida é “quase”: eu quase consigo ser e fazer um pouco mais do que posso ser e fazer. Mas isso cansa por demais.

Em casa tem um gato chamado Logan, de pelo longo amarelo e branco, esperto e sapeca, um pouco de minha infância que sempre consigo trazer aqui comigo, de um jeito ou de outro...

Em casa tem livros, muitos livros. E tem papel, muito papel. Isso para que saibam que gosto de ler, escrever e desenhar. Mas muitas vezes sou um desenhista que lê, um escritor que desenha e um poeta que não entende nenhum dos dois, o que desenha, principalmente.

Tenho um par de chinelos, um de sapatos e um par de tênis. E apenas dois pés... eu quase conseguiria viver muito bem com doze camisetas, quatro camisas, duas calças jeans e sessenta cuecas.

Música! Eu não sei o que seria de um filme sem música, uma novela sem música. Eu não sei o que seria da vida sem música.

E gosto de coisas simples: penumbra, silêncio, cochilo em tarde serena e fresca de domingo. Gosto do fim da tarde trazendo o começo da noite, do Sol tingindo o céu com suas cores quentes, da luz da Lua manchando de prateado o céu noturno.

Eu gosto de nomes simples que dizem muito: Mariana, Pedro.

Gosto de palavras, escrevê-las, e de ler as palavras escritas em qualquer lugar, até em embalagens, em bula de remédio, gosto de aprender palavras novas e de colecionar palavras velhas.

Meu pai sentava-se à mesa e contava histórias verdadeiras que pareciam piada e piadas que pareciam história verdadeira. Caçava rã aos sábados e a gente podia ir dormir mais tarde, esperando ele para poder fritar e comer as coitadinhas. Meu pai tinha uma bicicleta monark, depois um fusca bege. E tinha os olhos azuis mais lindos que eu já vi.

Minha mãe era justa e severa e eu me admirava como uma mulher da época dela, uma mãe assim, ainda conseguia ser carinhosa com uma penca de filhos.

Eu fugi de casa três vezes antes dos quatro anos de idade. Um rebelde desde pequeno, diriam. Mas não... eu só queria ver que tamanho tinha o mundo além do meu quintal.

Eu casei e descasei. Sempre quis ser marido, ser pai. E sou este e fui aquele. Sempre quis morar sozinho, mas só realizei isso depois de casado, quando me separei. Acho isso um tanto engraçado e esquisito. E eu sempre quis amar intensamente. Realizo isso hoje na segunda metade de minha vida. Para quem já se acha muito metido a besta, considero que estou bem na fita.

Sou fácil para as coisas difíceis e difícil para as coisas fáceis. Nenhum rótulo me serve, gosto menos dos adjetivos do que dos nomes que todas as coisas tem.

E agora estou aqui, humildemente. Tudo o que leem é fruto de quatro anos de relação intensa com a poesia, relação essa ainda não completa, mas que se faz no dia a dia, no calor das horas, na necessidade de viver cada momento. Sou efêmero como qualquer reles ser humano que rasteja sobre a face da Terra. Mas a minha efemeridade tem ares de ser eterna, metida a besta como eu sou.

E como tem poeta no mundo! Vejo isso aqui. Vejo isso por aí. O mundo tem poetas o suficiente para se tornar um lugar melhor de se viver. Então você que se diz, que se acha, que tenta ou arrisca ser poeta, conclamo vocês todos para o prazer inenarrável desse olhar privilegiado sobre o mundo, a vida, a realidade, todas as coisas. Se não quer ser poeta assim, vai ser qualquer coisa que valha e gastar seus anos de vida em direção à morte, limite e horizonte de todos nós.

Enfim, por ora agradeço o carinho e atenção de meus mais novos amigos, os Recantistas. Tenham paciência comigo, que toda a poesia que estava em mim quis se derramar aqui para se dar a conhecer. E toda a poesia que ainda há em mim tem ainda muito o que aprender e muito o que dizer. Antes que a gente complete mais uma primavera, eu terei agradecido devidamente a todos vocês, lido tudo de vocês. E terei me renovado ainda mais um tanto, um pouco também por culpa de vocês.

A Poesia é essa coisa de fora de mim que não sai de dentro de mim, essa perplexidade com o sentido das palavras e com nenhum sentido que às vezes faz. Ou não faz. Essa coisa que me visita no fim da tarde e fica até a madrugada, indo embora muitas vezes com o amanhecer, mas que me encontra de surpresa durante o dia, em caminhadas pelas ruas da cidade, em minha mesa de trabalho, no trem do metrô, na mesa do restaurante. Acho que ela gosta de mim. Eu, pelo menos, sei que gosto muito dela.