Ensaio biográfico sobre o "Sete Orelhas"

A história de Januário Garcia, o “Sete Orelhas”, é entremeada por fatos reais mas que beiram a ficção. Seu original roteiro de vida e a fama que alcançou em sua época podem ser comparados a de Virgulino Ferreira, o “Lampião”.

Não sabemos o local nem a data de nascimento e nem da morte desse personagem, mas presume-se que ele tenha nascido em meados do século 18.

Januário vivia na Fazenda Campo Formoso (a poucos quilômetros da atual São Bento Abade) com seu pai Antônio (já viúvo), e seus dois irmãos mais novos, José e João.

Tinham como vizinhos o fazendeiro Francisco da Silva, sua esposa, e sete filhos homens. A relação entre os vizinhos não era boa, já que os Silva freqüentemente entravam em desentendimentos (sem, na verdade, motivo justo) com os Garcia, por causa de limites entre as propriedades.

Algum tempo depois, morria Antônio Garcia, sem antes passar para Januário, o mais velho dos três filhos, a incumbência de cuidar dos dois irmãos e da propriedade. José recebeu sua parte e retirou-se do local, terminando seus dias, já em idade avançada, em sua Fazenda do Angaí, na atual Cruzília. Januário e João permaneceram no Campo Formoso.

Os conflitos entre os dois irmãos e a família Silva continuaram e culminaram na ordem dada por Francisco da Silva a seus filhos, durante uma festa: encontrar João, amarrá-lo em uma árvore, e tirar sua pele, deixando o corpo às aves de rapina. Parece que Francisco faleceu nessa mesma festa, vitimado por uma apoplexia fulminante. No entanto, os sete irmãos decidiram assim mesmo cumprir o desejo do pai, apesar dos pedidos em contrário da mãe dos mesmos.

Os irmãos invadiram a fazenda dos Garcia e seqüestraram João, que estava sozinho, já que Januário saíra para procurar reses perdidas. João foi amarrado em uma figueira (ainda hoje existente e localizada próxima a rodovia que liga Três Corações a São Bento Abade, estando a 6 quilômetros desta última cidade. O local é conhecido hoje como Tira Couro) e sua pele passou a ser retirada da cabeça. Ao terminarem o serviço pelos pés, João, esvaído em sangue, já não vivia. É de se imaginar o desespero de Januário ao ver o corpo do irmão amarrado na figueira. Ele sepultou-o na igreja de São Bento Abade e correu a Província clamando por Justiça. Embora providências iniciais tivessem sido feitas, nada de concreto foi feito, o quer fez com que Januário resolvesse aplicar pessoalmente a Justiça.

Enquanto isso, os sete irmãos, que viram a mãe falecer por causa deste crime, pressentiram o pior e deixaram a região.

Dá-se início a uma caçada que durou por volta de 30 anos (entre 1760 e 1790 talvez). Januário perseguiu os irmãos pela província e matou-os: logo de início dois na própria região; depois outros dois na Bagagem (atual Estrela do Sul, no triângulo mineiro), um em uma estalagem próxima ao rio São Francisco, outro em Diamantina, e outro no caminho de Vila Rica para a Bahia. Esse longo tempo é compreendido pelas próprias dificuldades de locomoção na época.

A cada irmão que matava, Januário tirava uma das orelhas da vítima, e a enfiava em um cordão, que, ao final deste tempo, foi colocado em um dos ramos da figueira.

Januário seguiu sua vida e não parece ter sido incomodado com as sete mortes, tornando-se até protetor dos injustamente perseguidos. O autor de “Minhas Recordações” (Francisco de Paula Ferreira de Rezende) conta que seu bisavô, certa vez, foi insultado e que um filho deste, seu tio-avô, tomando partido, espancou o agressor no meio da rua. Passou a ser perseguido, fugiu, e tempos depois voltou para Campanha na companhia de Januário. Nada lhes aconteceu e o processo não foi adiante.

Em 1799, Januário estabeleceu-se nas terras da futura Alpinópolis. Sete anos depois, sua esposa informa que o marido, já desaparecido há 3 anos, deixou determinado que vendesse as terras para pagar dívidas com os primos, contraídas ainda em 1802.

Segundo o escritor Gustavo Barroso, que por sua vez se valeu de fontes orais, Januário teria morrido em decorrência de um acidente na porteira de sua fazenda.

Sugestão de livros:

Minhas Recordações, Francisco de Paula Ferreira de Rezende, Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1987;

Estórias... ou História do Sete orelhas?..., Benefredo de Sousa, 1973

Glauber Vieira Ferreira
Enviado por Glauber Vieira Ferreira em 25/05/2008
Código do texto: T1005068
Classificação de conteúdo: seguro