O Incendiário

Viajo agora para aquele meu lugarejo chamado Cardoso, com a idade de quatro anos, a partir de quando o nosso cérebro é capaz de armazenar informações e lembrar-se dos fatos marcantes. Vou relembrar uma das minhas primeiras travessuras, causando um relativo prejuízo para os pais. Na minha inocência, jamais imaginaria que um simples palito de fósforo fosse ocasionar um incêndio de tamanhas proporções. Apenas por curiosidade, juntei umas palhinhas retiradas das espigas de milho, risquei o fósforo e vi as chamas crescendo. Nesse momento vi passar uma lagartixa em direção a uma cerca de madeira que encostava na casa. Tive a idéia de espantá-la, empurrando com um pau para junto da cerca as palhas ainda em chamas. Aí aumentou o fogaréu. Fiquei assustado. Corri para dentro de casa, com a carinha de quem tinha feito algo errado e a mãe logo desconfiou. Indaga daqui, indaga dali e eu num silêncio total, apenas o semblante mostrava que se tratava de uma grande estripulia. Logo o fogo bradou, com uivos de vento soprando sobre a parede. Foi aquela correria e falta de iniciativa para evitar a propagação do fogo. Apenas duas mulheres aflitas, aos gritos, sem ter a quem pedir socorro e o fogo se alastrando. A uma distância de aproximadamente uns 400 metros, havia uma casinha de roça, aonde o dono vinha ali eventualmente, por ocasião do plantio. Felizmente, estava lá o velhinho, ouviu os gritos e veio em socorro. Inteligentemente, derrubou uma parte da cerca, onde ainda não estava em chamas, evitando que o fogo continuasse se alastrando. Eis ali o nosso herói. A depender das mulheres, a minha mãe com aquela barrigona de quase nove meses de gestação e a sua irmã ainda mais aflita, o fogo teria queimado toda a cerca. Parou a uns 200 metros, o suficiente para deixar toda a roça em aberto, precisando de vigilância para evitar que os animais comessem as plantações. A casa estava salva, por ser de tijolo, e fogo logo baixou, uma vez que a madeira da cerca era muito seca, de rápida combustão. Alívio para os adultos, mas uma grande preocupação para o incendiário, na expectativa da reação do pai, quando chegasse em casa, esperado para a noite. Na cultura sertaneja é comum o malfeitor levar umas boas lapadas com vara de catingueira. Não arredei o pé da saia de minha mãe, na esperança de que ela me protegesse. Não deu outra: escapei da surra. O que é que uma mãe não faz pelo filho?

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 14/08/2008
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