Uma Jovem Debutante

Ainda no início do período em que trabalhava em Porto Calvo, a agência do Banco do Brasil completava 15 anos de existência naquela cidade. Pela importância da data, houve ali uma solenidade comemorativa, contando com a presença de inúmeros clientes, representantes de entidades sindicais e principais autoridades do município. Um carro de som, à frente da agência, transmitia os discursos das pessoas que fizeram uso da palavra, enaltecendo a importância da presença do Banco durante aqueles 15 anos, na esperança de que ele se tornasse cada vez mais útil à comunidade local, onde a economia básica é cana-de-açúcar.

Iniciada a solenidade com o descerramento da placa comemorativa, que ficou a cargo de duas jovens adolescentes, uma minha filha caçula e a outra filha de um representante do sindicato dos canavieiros, que também fez uso da palavra, tendo já a fama de orador entusiasta, contando sempre com os aplausos de sua classe, pelo papel que muito bem exercia em sua defesa.

Percebendo que a grande maioria do público não adentrou à agência por falta de espaço, ficando ali os chamados clientes preferenciais e autoridades locais, tive a preocupação de, nos vocativos de praxe, dirigir-me a todos que ficaram fora, ouvindo através do serviço de som do carro ali à frente. Ao enaltecer o papel do Banco naquela cidade, citei uma frase de Tancredo Neves sobre a importância do Banco do Brasil como fomentador do desenvolvimento agrícola de todo o país, sobretudo sobre o caráter da probidade de seus funcionários, que ali só ingressam através de concurso, sem qualquer influência política, portanto sem a vulnerabilidade de comprometer a ética.

Consciente do que estava proferindo, sabia que não seria reprovado no meu discurso. Entretanto, logo em frente, um cliente já idoso, com um tique nervoso no pescoço, girava para um lado e para outro, como se estivesse discordando do que eu dizia. Por mim não havia estranheza porque já o conhecia e sabia daquele seu gesto constante, pois era acostumado a atendê-lo na condição de cliente preferencial. Ficava sentado diante do birô e fazíamos o atendimento integral, de maneira que dali ele não se locomovia até a sua liberação. Enquanto eu tinha a certeza de que ele não estava discordando do que eu dizia, provavelmente as pessoas que não o conhecia bem poderia imaginar que ele estava me reprovando, pois a cada frase concluída via-se a sua cabeça girar para um lado e para outro, num gesto que caracteriza a discordância. Talvez por isso, fui breve no discurso, tornando-me menos prolixo, o meu lado negativo.

Ao encerrar, lembro-me ter dito: Esta casa, meus senhores, não é minha, não é dos funcionários, não é do Gerente; esta casa é de todos vocês. Ao terminar de receber os cumprimentos das pessoas ali mais próximas, saí da agência para cumprimentar as pessoas do lado de fora, que me acolheram calorosamente, dizendo que gostavam do meu jeito de não valorizar só a elite, atendia igualmente a todos.

Fazia sempre questão de frisar que, pela minha origem, não podia esquecer o homem do campo, o homem da roça, aquele que produz o nosso alimento. É natural que todo ser humano gosta de ser valorizado, assim não deixava de estender a mão a todos, o cumprimento característico do sertanejo, que não se contenta com um leve aceno. Infelizmente é esta a maneira que os políticos adotam para ganhar a simpatia do homem simples, na busca de conquistar o seu voto.

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 29/12/2008
Reeditado em 29/12/2008
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