Nordestino Frouxo

Já falei dos valentões, agora falo de mim mesmo, considerado frouxo por ter escolhido o caminho da concórdia, evitando qualquer conflito que pusesse em risco a minha santa vida que Deus me deu. Tendo aprendido a lição de que “quando um não quer, dois não brigam”, sempre fugi das brigas “como o diabo foge da cruz”.

Já morando na cidade, onde passei a exercer a minha primeira profissão, a de Radiotelegrafista, vista como uma atividade chique pelos meus conterrâneos da roça, resolvo voltar lá num dia de festa da padroeira, quando há muitos casamentos. Nesse dia, contei vinte e nove. Alguns dos noivos vinham a cavalo, outros de camionete.

Modéstia à parte, bastante cortejado pelas lindas sertanejas, duas delas me convidaram para ir às suas casas, onde havia festa de casamento de irmãos. Diante da dúvida sobre qual escolher, terminei aceitando a de mais longe, que me levou em sua caminhonete. Entretanto, combinei com meu irmão para que mais tarde ele fosse me buscar em seu cavalo, de maneira que eu pudesse participar das duas festas e assim atendesse aos dois convites. O irmão não foi e eu ali fiquei até o dia amanhecer. A festa era animada por um trio composto de uma sanfona, um triângulo e um pandeiro, numa sala iluminada por quatro candeeiros, um em cada canto. Havia o costume de o cavalheiro ceder a dama para outro com ela dançar pelo menos uma parte. Uma negativa poderia resultar em briga e até acabar a festa, tamanha era a reação de quem tinha a dama negada.

Estava eu dançando com a minha bela dama, naquele gostoso início de namoro, quando um marmanjo veio me pedir uma parte. Cedi com toda gentileza, dizendo ser uma honra atendê-lo. Tal foi a minha surpresa, quando já na primeira volta ele me devolve a dama, com seu cordial agradecimento.

Confesso que o meu gesto não foi por gentileza, foi por medo mesmo, até porque os cabras dançavam com a peixeira na cintura, como se aquilo fosse normal. Na visão deles, comportei-me mesmo como um nordestino frouxo, pois nunca sequer usei uma arma. A única que sempre portei só a namorada percebeu, porque naquela época dançávamos coladinhos.

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 10/09/2009
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