Reminiscências

Na verdade, o título do conto é: REMINISCÊNCIA AUTOBIOGRÁFICA A RESPEITO DE MIM MESMA. Mas ficou muito comprido e não coube no post do recanto.

Eu gosto muito de ler as reminiscências dos outros, as biografias, as lembranças do passado, a história de cada um. Sou uma fofoqueira de carteirinha, essa é que é a verdade, cruel e fria. Adoro saber da vida dos outros. Por isso resolvi dar minha cara à tapa e escrever as minhas lembranças.

Eu nasci com zero ano de idade. Por incrível que pareça essa é a única frase que me veio na cabeça para o começo do texto. Fico me perguntando o porque do plágio – já que o Pateta usou essa frase famosíssima num gibi em mil novecentos e alguma coisa – e não encontro resposta. “Eu nasci com zero ano de idade” me parece a coisa mais provável que tenha me acontecido quando eu nasci, portanto o plágio fica.

Não lembro nada dessa época entre zero e quando eu caí da escada pela primeira vez cuja idade é uma incógnita. Meus pais dizem que eu caí da escada pela primeira vez quando tinha uns dois anos – no máximo – e eu me lembro de estar rolando escada abaixo, de sentir o corpo doendo e de ouvir meu tio dizendo quando ouviram meu choro: “Ela caiu da cama”. Mas meus pais teimam em dizer que seria impossível eu lembrar tal fato, mesmo lembrando do que meu tio disse naquela ocasião. Tanto é verdade que fiquei esperando uma eternidade até eles me acharem pois foram me procurar nos quartos. Das outras vezes que caí da escada eu não me lembro. Devo ter batido a cabeça, aliás, meu pai sempre nos ensinou: “meninas, caiam de cabeça para não machucar o resto do corpo”. E saía dando gargalhadas. Eu era bem obediente.

Depois que eu caí da escada ali pelos dois anos – suponhamos então que essa seja a idade do tombo – levei uma mordida de cachorro na mão. Fui com aquela inocência própria dos pequenos que não conhecem o perigo mesmo meu tio dizendo que o cachorro era brabo e que não era para ir lá. Fui fazer cuti cuti na boca do cachorro e isso me lembro muito bem, como me lembro também que fiquei paradinha ali com a mão dentro da boca do dito cujo chorando em bicas até que o vizinho veio abrir a boca do cão e tirar a minha mão lá de dentro. Por causa dessa falta de iniciativa (a de tirar rapidamente a mão na hora de sentir dor) não fiquei com seqüelas da mordida e tampouco cicatrizes. Meus pais dizem que não teria como eu me lembrar disso, já que tinha uns 3 anos ou menos. Só que eu me lembro até de quantos cílios o peste tinha nos olhos. O nome dele era Totó (óbvio) e se não fosse por ele eu estaria até hoje fazendo cuti cuti na boca de tudo quanto era cachorro que encontrasse pela rua. Ainda bem, porque eu acho que teria muito mais cachorros do que os 4 que já tenho.

Foi mais ou menos nessa época que arranjei um amigo invisível. Não, não era amigo virtual porque naquele tempo não existia computador. Só eletrola e televisão a válvula em preto e branco onde eu ficava assistindo Nationala Kida. Esse amigo invisível conversava horrores comigo, passávamos o dia trocando idéias e batendo altos papos. Levei um pito da minha mãe que me disse para parar de ficar falando sozinha, já que os vizinhos estavam achando estranho aquele falatório e algumas bocas maledicentes estavam sugerindo que minha mãe podia ter fumado um daqueles cigarrinhos estranhos durante a gravidez, pois justamente naquela época tinham surgido rumores tardios (bem tardios) do Woodstock com seus amores livres e a maconha rolando solta. Mas minha mãe nunca botou um troço desses na boca. Ou não.

Despedi-me do meu amigo invisível para nunca mais vê-lo e ganhei um cachorrinho – o Banzé – que me deixou tão feliz, mas tão feliz que toda a felicidade do mundo estava ali naquele amontoado de pelos brancos e pretos. Foi o dia mais feliz da minha vida infantil. Mas algum tempo depois, minha mãe teve que dá-lo porque minha irmã mais nova judiava muito do Banzé, sentando em cima, jogando-o pelas escadas e toda sorte de malcriações. Eu pedi para minha mãe dar a minha irmã, mas ela preferiu dar o cachorro. Foi o dia mais triste de minha vida infantil. Chorei tanto que dormi sem comer.

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Michele CM
Enviado por Michele CM em 16/06/2010
Reeditado em 16/06/2010
Código do texto: T2323908
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