Álvaro Astolpho da Silveira, um cientista importante em seu tempo

Em minhas pesquisas genealógicas sempre priorizei a descoberta de personagens marcantes, para o bem ou para o mal.

Encontrei recentemente um importante personagem do bem, o engenheiro Álvaro Astolpho da Silveira, sogro do meu falecido tio Raimundo Soares Rodrigues.

Deixou uma vasta biografia e uma também vasta bibliografia; em suma, foi alguém que muito contribuiu para o desenvolvimento humano, que foi extremamente útil para a sociedade nos campos da ciência e da administração pública.

Agora está esquecido, mas em seu tempo fez mais do que o seu papel, e muito se destacou.

Álvaro Astolpho da Silveira nasceu em 1867, em Minas Gerais, na cidade de Passos, localizada na região sudoeste do Estado. Fez seus preparatórios em Ouro Preto, a então capital da província de Minas Gerais. Formou-se em 1892 como engenheiro de minas pela Escola de Minas de Ouro Preto, cursando também engenharia civil na mesma escola. Faleceu em 1945.

Foi um cientista atuante num tempo — nem tão antigo e distante assim — em que o montante dos conhecimentos era bem menor que os atuais; em consequência, as ciências se dividiam em segmentos bem diferentes do que vemos hoje.

Ele não conheceu a divisão da engenharia e medicina em minúsculas especializações, em bloquetes que mal e pouco se comunicam.

Não me surpreendeu este leque amplo: descobri esta pré-organização das ciências no final da infância, na condição de voraz consumidor da ficção científica produzida pelo mestre maior deste gênero literário, o francês Jules Verne.

Um de meus livros favoritos, A Ilha Misteriosa — o enredo que originou a recente série de filmes O Parque dos Dinossauros —, já apresentava um personagem-líder, um engenheiro que dominava áreas hoje distanciadas entre si, como a química e a botânica.

Cyrus Smith, o líder dos personagens (eram náufragos) da ilha de Verne, também era identificado como naturalista, como eram chamados na época os cientistas que versavam sobre ciências naturais, uma divisão das ciências que ainda é aceita mas é pouco utilizada, exatamente por causa da larga abrangência.

Segundo a Wikipedia, “as ciências naturais são um ramo das ciências que estuda o universo, que é entendido como regulado por regras ou leis de origem natural, ou seja, os aspectos físicos e não humanos”; a mesma enciclopédia virtual (de sucesso internacional) as subdivide nos hoje vastíssimos campos da astronomia, biologia, física, química e geociências, além da bem menos vasta horologia, que é “a ciência e arte relacionada aos instrumentos de medição de tempo”.

Mas os tempos eram outros; Álvaro da Silveira era basicamente engenheiro e naturalista, com incursões nos ramos da geologia, topografia e botânica.

Uma de suas especialidades virou relíquia: a corografia, ou chorographia, de acordo com a língua portuguesa do início do século 20, ainda mais complicada que a atual e cheia de letras inúteis.

Consistia em viagens em que o naturalista pesquisava a natureza e depois a descrevia em livros extensos, ou em relatos para platéias ávidas de conhecer o mundo ainda misterioso.

Viagens e descrições da natureza, de foco multidisciplinar, são obviamente anacrônicas se comparadas à metodologia atual, mas pioneiros geniais como ele foram os responsáveis pelo primeiro passo para a ocupação adequada de áreas e regiões desconhecidas ou mal conhecidas.

Mas outras informações encontráveis em sua biografia indicam que Álvaro da Silveira estava longe do estereótipo do cientista fechado sobre si e sobre seu trabalho, pois ocupou cargos públicos e teve uma participação fundamental na história da Academia Mineira de Letras.

De 1904 até 1907 dirigiu a Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais; entre 1906 até 1920 exerceu vários cargos na Diretoria de Agricultura, sendo seu diretor entre 1914 e 1920; foi também membro e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.

Em sua biografia, consta que ele foi sócio fundador da Sociedade Mineira de Agricultura (1910), da Escola Livre de Engenharia em 1912 e da Escola de Engenharia Agronômica e Medicina Veterinária (foi o diretor entre 1914 e 1917); em 1921, Álvaro da Silveira voltou à diretoria da Comissão Geográfica e Geológica de Minas Gerais, permanecendo até 1931, quando se aposentou.

Em 1915 assumiu a presidência da Academia Mineira de Letras e foi o responsável pela sua transferência da sede original (havia sido fundada em 1909 em Juiz de Fora) para a nova capital, naquele mesmo ano, e exerceu a presidência por seis anos.

Sua produção científico-literária merece ser dividida em tópicos: nos anos em que esteve em diversos cargos na Diretoria de Agricultura, publicou Viagem pelo Brasil: notas e impressões colhidas na viagem do Sr. Dr. Affonso Penna (1906), Flora das Serras Mineira (1908) e Flora e suas Serras (1908).

Quando esteve na diretoria da Escola e conjuntamente na Diretoria da Agricultura publicou A arborização de Belo Horizonte (1914), O algodoeiro em Minas Gerais (1916), Consultor Agrícola (1917), Floresta e Pecuária (1917) e Agricultura e Pecuária (1919).

Quando voltou à diretoria da comissão publicou Memórias corográficas (1921), Fontes, Chuvas e Florestas (1923), Narrativas e memórias (1924), também contribuiu para o Boletim de Agricultura, Zoologia e Veterinária de Minas Gerais (a partir de 1928), Geografia do Estado de Minas Gerais (1929) e Floralia motium (1931).

Por óbvia consequência da paixão pelas ciências naturais ele se permitiu uma excentricidade: batizou os seis filhos com nomes de vegetais e minerais raros, todos começando com a primeira letra do alfabeto, a mesma inicial dele e da esposa Anita.

Os dois filhos-homens foram Asplênio (nome de uma planta) e Alcino (um composto químico); as filhas eram Analcima (um mineral), Aneimia (também uma planta), Andira (é o pau-angelim, usado na arborização urbana) e Asarina (outra planta), esta a minha tia por afinidade, esposa do tio Raimundo.

O escritor memorialista Pedro Nava reservou um parágrafo do seu livro Beira-Mar para falar das filhas do Dr. Álvaro (que também foi personagem em outros trechos da obra): “De outras vezes eu descia só um quarteirão de Cláudio Manuel mas virava à esquerda, até chegar à Avenida Brasil. Era para admirar varanda que parecia gaiola de moças e meninas. Uma delas, Andira, seria um de meus futuros pares nas partidas do Clube Belo Horizonte. Todas as outras tinham também nomes botânicos, florais, vegetais — eram Azarina, Anêmia, Analcima — esta, a mais velha, parecida com Maria Antonieta de França.”

Decerto faltou ao grande escritor a internet, que o ajudaria a corrigir a grafia dos nomes de Asarina e Aneimia em questão de segundos.

Está disponível na internet um texto da historiadora Graciela de Souza Oliver, publicado quando pertencia ao Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (hoje é professora da Universidade Federal do ABC, em Santo André-SP), que enfoca a vida de Álvaro da Silveira sob o título A trajetória de um engenheiro de minas: ciências da terra, natureza e agricultura.

[agosto de 2010]