O INSETO E O FEIX DE GALHOS SECOS

J. Torquato

E o Pernalonga esbugalhou os olhos grandes, ainda com vermelhidão em ambos os olhos, assustado, virou-se e danou-se a correr sob uma chuva de vaias e gargalhadas.

Mano Val limpou as mãos, jogou mais algumas pedras na direção do Pernalonga, mesmo sem direção, e riu também. Era muito difícil ver Fido rindo, ele chegou mesmo a gargalhar, olhando para cima, olhando para mim, nós estávamos fardados, Ela com a farda do Colégio Guido e eu com a da escola Industrial, mas nossa farda seria motivo de uma boa surra em casa.

Márcio, praticamente um mentor da turma, calmo, fala mansa e perigosíssimo, se aproximou e sem falar , estendeu a mão primeiro para mim e depois para o Fido, era um sinal de respeito, todos praticamente nos olharam com outros olhos.

Vencemos!

Pequei minha bolsa de couro, Val pegou a dele e caminhamos para o nº 96 da Rua Caramurús, nossa casa, orgulhosos mesmo sabendo que iríamos enfrentar a fúria de Dona Vandete.

Durante a tarde, ainda com vergalhões riscados à costas, nos dois na sala, rememorávamos os últimos episódios:

Pernalonga era um dos nossos mais ferrenhos inimigos, entre todos era o mais inteligente, magro, altíssimo, e ligeiro, não respeitava ninguém, nem aos nossos pais, geralmente nos pegava a sós, pois estudávamos em horários diferentes. Mesmo à noite que raramente aparecia, sabia como nos pegar em separado, dar “cascudos” roubar brinquedos, Gibis, figurinhas, dar tapas e no jogo de futebol massacrava a todos os mais fracos. Os mais fortes eram Manoel e Márcio, irmãos cavernosos, que um dia sob chuva de pedradas de Val, invadiu nossa casa que considerávamos nossa fortaleza, a nos perseguir. Eram temerários e até os adultos tinham receio deste trio.

Nós não éramos covardes, como éramos pequeninos, nos valíamos de pedras e da peteca para lançar pedras nos mais fortes, principalmente para manter distância, mas as esquinas e os matos eram traiçoeiros e eles sempre nos pegava e nos surrava.

No dia 10 de maio, era véspera de meu aniversário, e anti véspera do da minha Mãe, além de ser no dia dela, o dia das mães. Nós estávamos em estado de ansiedade representado pela data e os imaginários presentes, pela presença de parentes distantes principalmente de minha prima linda a Fátima.

No Dia anterior o Pernalonga chateou um bocado conosco, inclusive usando piadas sujas para com minha Deusa Selma, minha Princesa Fátima, e principalmente minha mãe. Para nós naquela época isso era um crime passível de ser contratado um duelo a sangue. Val estava deitado porque ia cedo para escola, e eu apanhei tanto que chequei em casa rasgado e sangrando. Minha mãe já deitada pelo mesmo motivo de meu mano, Ela Trabalhava em dois escritórios de manhã e emendava com Os Correios à tarde, Tomei banho, pus merthiolate, e contei ao Fido o que se passou. Ele queria se levantar e dar o troco imediatamente, Mas aquelas alturas não haveria ninguém na rua. Fizemos o plano para o dia seguinte. Certamente Pernalonga sabia que Val ia para o Colégio Guido pela manhã as seis. Eu me fiz de desentendido quando mais ó menos as oito horas ele pegou meu pião que eu estava jogando e espatifou com uma pedra grande, em seguida baixou meu calção me deixando nu, e de lá retirou todas Ximbras que eu tinha ganho nos últimos dias. Me afastei lentamente com ele me dando tapas nos ombros, na cabeça e no rosto, ao longe já avistava Valfrido correndo, ele não viu nada, aliás ele só sentiu, enquanto eu me vestia, uma cacetada na cabeça que Fido deu com um pedaço de madeira sucupira. Aí nós nos juntamos ao massacre, para onde ele se virava tomava “porrada”.

O Nosso público era nossos parceiros de brincadeira, entre muitos que eram os “mais fracos” a torcida era vibrante, mas nenhum teve coragem de entrar na briga, entre os Fortes estava estampada o assombro, nós irmãos considerados vulneráveis e fracos, nos juntamos para bater num deles, provamos que juntos éramos fortes, eles nos aplaudiram, talvez pela certeza que nós unidos éramos mais que eles, talvez não, talvez como professores vendo que os alunos aprenderam a lição.

Nossa herança, nosso símbolo ainda é vários galhos quebrados e unidos.

Brigado mano Val, obrigado a minha família inteira que nos fez assim.