PERFIL DE UM JOVEM POETA

     Não se podia imaginar uma criatura mais simpática e uma figura mais insinuante. Bastante alto para a sua idade, tinha a estatura de um homem. Parecia uma palmeira do Oriente pela sua flexibilidade. Uma leve inclinação da espinha fazia supor uma predisposição para as moléstias do peito. A cabeça parecia pesar-lhe, tanto que caía sobre o peito fraco e deprimido; mas a beleza dos olhos, a dourada palidez das faces, o negrume intenso dos cabelos e, sobretudo, o sorriso angélico daquela fisionomia, corrigia talvez a excessiva magreza daquele corpo. Tinha os cabelos muito pretos e corridos, mas havia uma madeixa rebelde que sempre lhe caía sobre a testa: essa, porém, era anelada, não se parecia com o resto da sua cabeleira, porém parecia ali plantada de propósito. A boca era um pouco grande, mas ornada de belos dentes. Não era com certeza um belo modelo de estatuária, mas é impossível encontrar-se um conjunto maior de graça e simpatia. Havia um não sei quê de insinuante e de atrativo naquela criatura que era impossível furtar-se à sua influência. Havia apenas um defeito naquela criatura; era o orgulho. Era orgulhoso já naquele tempo; não sei de que tinha orgulho, mas sei que ele já o tinha. Conta uma predileção pelas gravatas de cores muito vivas e um “cuidado da beleza das mãos”. A alma desse menino era de uma pureza inexcedível; a inteligência tinha lampejos que ofuscavam como relâmpagos. – Hugo em pequeno devia ser assim. A sua prodigiosa imaginação tinha voos arrojados que era impossível acompanhar sem sentir vertigens.
[...]
     Quem visse Castro Alves em um desses momentos em que se inebriava de aplausos, vestido de preto para dar à fisionomia um reflexo de tristeza, com a fronte contraída como se o pensamento a oprimisse, com os olhos que ele tinha profundos e luminosos fixos em um ponto do espaço, com os lábios ligeiramente contraídos de desdém ou descerrados por um sorrido de triunfo, reconheceria logo o homem que ele era: uma inteligência aberta às novas idéias, um coração ferido que se procurava esquecer na vertigem da glória. Vimo-nos um ano quase, dia por dia, e nunca o vi dar um momento de atenção às realidades da vida, nem às ambições da mocidade. E por isso que para nós que o conhecemos, Castro Alves representa a dignidade e a independência das letras.



BOA NOITE
(Diz-se o mais sensual poema amoroso que já se rimou no Brasil).

Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.

Boa noite!... E tu dizes – Boa noite.
Mas não digas assim por entre beijos...
Mas não me digas descobrindo o peito,
– Mar de amor onde vagam meus desejos.

Julieta do céu! Ouve.. a calhandra
já rumoreja o canto da matina.
Tu dizes que eu menti?... pois foi mentira...
...Quem cantou foi teu hálito, divina!

Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."

É noite ainda! Brilha na cambraia
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
o globo de teu peito entre os arminhos
Como entre as névoas se balouça a lua...

É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Fechemos sobre nós estas cortinas...
– São as asas do arcanjo dos amores.

A frouxa luz da alabastrina lâmpada
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.

Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!

Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...

Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
– Boa noite! –, formosa Consuelo...

 


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Afrânio Peixoto
In Vida Efêmera e Ardente de Castro Alves.
CASTRO ALVES
Obra Completa
Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar.
LordHermilioWerther
Enviado por LordHermilioWerther em 28/11/2011
Reeditado em 17/12/2011
Código do texto: T3361724
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