FINITUDE...PARA PENSAR

Recebi um texto de Gabriel Garcia Marquez escrito aos amigos antes de partir para o “andar de cima”. Um escritor é um observador da vida, das emoções, dos sentimentos e das sensações. Lindo texto!

Do texto do Garcia Marquez para o meu texto, foi um "suspiro".

Só nos damos conta da beleza da vida, da importância dos amores, da família, dos filhos, da amizade dos verdadeiros amigos – todos são verdadeiros, senão não seriam amigos - dos animais queridos, das coisas e objetos que adquirimos no decorrer da existência, quando sentimos de perto a finitude.

Após o primeiro sintoma e consequente diagnóstico, me senti paralisada. Não está acontecendo comigo, comentei com o médico. Caso raro, somente 135 casos no mundo, 3° no Brasil. Não é possível! Hábitos de vida saudável, nem um caso na família – todos faleceram de velhice. Minha mãe faleceu com 104 anos. Ufa! Não precisava tantos, né!

Aí veio a etapa mais séria, posicionamento diante do improvável, no meu caso. Mas providências foram tomadas, os amigos avisados, em seguida a amiga advogada e o filho por último para evitar sofrimento.

A primeira noite, insone, não podia ser diferente. Sensações estranhas. Sonhos tenebrosos, a queda da Maggie, minha gata adorada, do décimo quarto andar, o falecimento de minha prima, quase irmã, ataque pessoal de vizinhos ao meu trabalho como síndica, outros dois vizinhos que também adoeceram gravemente, e o falecimento de um amigo muito querido, Todos os acontecimentos, à mesma época, em apenas dois meses. Minhas estruturas foram abaladas...

Quando sofremos um episódio como esse, passamos a avaliar a vida por outro prisma. Corremos pela memória os momentos importantes e os de lembranças, os sonhos, as realizações, os amores, os amigos, trabalhos, academias, Fatos pinçados das profundezas do ego. Entramos em sintonia com lembranças antigas e recentes. Avaliamos as viagens que fizemos e as que deixamos de fazer. Lembramos com carinho das festas e comemorações com os amigos, lembramos com saudade dos passos percorridos pela vida dos nossos filhos. Quando tomamos ciência do fim de nossos dias neste lindo planeta azul, sentimos muito não poder fazer projetos de vida e realizá-los, como sempre fizemos e que não mais faremos. Não há mais tempo. É desolador sentir a falta de tempo que não nos permitirá ler os livros que ainda não lemos, porque o tempo se escoa como água pelos dedos das mãos. Um tempo sem novos conhecimentos, a ânsia incontida de adquiri-los, num tempo de agora no qual a cada segundo um novo projeto científico se apresenta, um novo escritor apresenta seu trabalho, a modernidade se escancara em todos os setores da vida como a revelar que o tempo no planeta está se esgotando – pelo menos para mim... Não quero profetizar!

Quando a vida se nos está escapando, sentimos o quão fracos somos diante das vicissitudes que a vida, como um livro aberto ao acaso, se apresenta diante de nós. Sentimos, às lágrimas, a ausência de amigos que já passaram para outra dimensão.

É fácil concordar com os amigos que nos dizem: seja positiva diante desse revés. Tudo vai dar certo, você vai ver! Mas sabemos que não é assim. A cada novo dia, eu acordo e me pergunto: ...este será meu último dia? Verei meu filho novamente? Ouvirei sua voz pelo telefone? Terei a oportunidade de "brigar" com ele? Verei e ouvirei a voz de meus amigos amanhã? Quem cuidará da minha gata Zoey - quando saio de casa ela fica aguardando a minha volta, atrás da porta. E as minhas plantas, quem delas cuidará? Então, de imediato, digo a mim mesma: após a minha partida desta para melhor, o sol despontará no leste e se porá a oeste no fim do dia. Tudo se encaixará como se nada houvesse acontecido. Tudo aquilo que me foi importante, já não terá importância para os familiares e amigos que me prantearam. Serei apenas uma referência de pessoa forte na vida, uma amiga dos amigos, uma mãe razoável, uma boa colega de trabalho - uma delas me escreveu um bilhete dizendo: “...ninguém é insubstituível, mas ninguém fará por nós o que você fez todos esses anos.” Senti-me feliz!

Estou vivendo como sempre vivi. Não vou atropelar o destino das coisas e do tempo. Há um tempo para viver e um tempo para morrer. Estou preparada! Ui, pero non mucho!!!

Parafraseando Garcia Marquez, eu digo “...se me fosse dado o privilégio de mais algum tempo”, faria exatamente o que sempre fiz. Mas daria mais valor às coisas, diria tudo o que penso a qualquer pessoa ou nos meus textos – nos textos sempre escrevo o que penso –, e não manteria segredos. Não sairia atabalhoadamente a correr atrás de um tempo perdido. Não perdi tempo nenhum! Vivi-os! Persegui sempre meus objetivos. A vida me presenteou com tudo pelo qual lutei – a vida é um constante planejar, traçar objetivos e fazê-los acontecer. É solucionar problemas o tempo todo. Pensando assim, toquei meu barco, mesmo navegando, às vezes, por águas revoltas.

Assim como Garcia Marquez foi surpreendido, confesso que me surpreendi também. Fui surpreendida com o diagnóstico e com as consequentes intervenções cirúrgicas. Jamais me dei conta dos anos nos costados. A idade física e mental não ultrapassava sessenta anos, ou até menos. Saúde perfeita, memória funcionando a mil, trabalhando em administração e escrevendo. Foi uma surpresa, realmente!

Estou aguardando os acontecimentos...

Quando os meus amigos virtuais deixarem de receber meus e-mails, saibam todos que eu me encontro em outra dimensão em companhia de meus amigos, parentes e de meus Anjos de Guarda.

Esturato

12/10/2012

Esturato
Enviado por Esturato em 14/10/2012
Código do texto: T3932511
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