Diários de um atormentado [Parte 1]

9 de Abril de 2013

Estou atormentado. É exatamente assim que me sinto, apesar de soar sereno. Acho que a máscara da serenidade foi a forma que encontrei de lidar com o mundo e as pessoas que nele habitam! Os colegas que também se encontram nessa fase do mestrado, vez ou outra, se deixam transparecer estafados, mas a maioria finge estar no controle da situação. Uso o verbo fingir porque não consigo imaginar outra situação que não o caos, ao menos, a dúvida, a incerteza, o cansaço. Faz parte da investigação, não? De todo modo, deve ter sido com estes colegas investigadores calmos e centrados que aprendi a tática do “vai tudo muito bem”. É uma forma de bloquear quem tenta invadir este meu recorte de mundo, que é um borrão pra já. O fato de que sempre fui (continuo a ser) otimista soma nessa tarefa de transparecer uma calmaria. Calmaria que não sinto tão verdadeira. Vivo uma semi agonia. Observo os prazos apertarem e deparo-me com a crise da criatividade. O que leio parece me exigir ainda mais outras leituras e, assim, vou adiando a escrita dia após dia. Tenho quaisquer dez páginas rascunhadas por conta do projeto defendido, mas elas não me dão conforto, nem segurança para dormir bem. Esta noite acordei várias vezes até o amanhecer. O que incomoda é que essa preocupação nem sequer se reverte em insônia. Se estivesse mais tempo acordado, escreveria?! Não durmo bem, mas isto não significa que não durmo. Invado a manhã e dependendo da agenda, atinjo o início da tarde. Acordo culpado, o que não me isenta de procrastinar na net por mais algumas horas, de modo que só depois do almoço consigo qualquer concentração. Hoje quebrei uma seqüência de dias mal aproveitados e voltei a ler com alguma profundidade [falta-me escrever, é a ideia que não me sai da cabeça]. Quase ao fim de um livro que me propus ler por inteiro (que ideia!!), passo a planejar o passar de olhos por mais uns artigos e, quem sabe, até o fim da semana tenho um capítulo iniciado. Durante o almoço, hoje, conversei com a Mi sobre a necessidade de ajustarmos uma rotina. Por mais que tenhamos lutado para perdê-la, sua ausência nos tem trazido algum prejuízo. Sempre soubemos da importância da rotina na vida de um estudante, está claro. Mas é fato que o tema voltou à tona porque lemos um artigo ressaltando essa importância , na semana passada. Engraçado que tenhamos de ler algo que já saibamos para dar autoridade ao argumento. Está escrito e por isso é mais verdade, titubeia alguma voz aqui de Portugal, já não sei qual. Ah, as fontes ... O desafio desta manhã que se seguirá será acordar no horário proposto. Acordo cansado porque não descanso enquanto durmo. Aliás, tenho tido imensos sonhos. Três, quatro, cinco por noite. Se levar em consideração que alguns destes são verdadeiros blockbusters, pode-se imaginar o quanto de atenção as noites me têm exigido. Ontem mesmo estive num capítulo inédito de Dexter. Não entendi bem se estava a assistir na TV ou se era o assassino do episódio. Penso que houve variações. Bem, e agora este resumo. O salvei como diário, mas não o pretendo chamar assim. Por quê? Não faço ideia, mas não pelas mesmas motivações do protagonista de “O diário de um banana”, certamente. Decidi que vou fazê-lo a cada dois dias. Toda forma de escrita é um estímulo. Será? Quando quero escrever algo no blog, nunca me sinto cansado. Mas se é para ser científico, a linguagem se esvai. Fico contabilizando páginas, de quantas preciso e em que capítulos. O índice está entregue à minha orientadora e nesta terça devo ter respostas quanto a segui-lo ou modificá-lo. Aposto na segunda opção, a mudança sempre vence [cheiro metalinguagens aqui]. Pra já, não sinto a necessidade de escrever mais nada. Acho, no fundo, que isto é só mais um pretexto para fugir das minhas obrigações institucionais. Tá funcionando. Se bem que, já é noite. Não ia fazer mais nada. Talvez um filme, um jogo e cama – para os meus blockbusters pessoais. Ah, vale registrar um pouco do que li hoje, um livro do Charlot. Assusta-me um pouco. Quando leio o que ele escreve, fico aterrorizado porque sinto que ele copiou o que eu queria exprimir da minha investigação. Agora não posso dizer tal e qual porque ele já disse e fora aceito. Terei de tomar cuidado para não ficar à sua margem, sufoca-me ficar preso às ideias dele, que já me eram caras quando da leitura do meu material empírico [presunçoso, eu!]. Urge encontrar outros autores para não parecer que estou colado nesse e, quem sabe, abrir os caminhos da minha leitura anterior. Afinal, não vai tão mal assim essa pesquisa. Sobre professores, conforme discussão no referido livro, chamou-me atenção a anotação sobre aqueles que estavam fora das expectativas, especialmente uma que, segundo um aluno entrevistado no livro, “estava obcecada com a AIDS” e outra que “quando cansada, se trancava no armário”. Deus, ri alto. Tive de interromper a Mi e ler esta passagem em voz alta. Fico pensando que imagem os alunos tinham de mim, talvez fosse melhor não exercitar a imaginação nesse caso! Nem consigo terminar o meu mestrado, mas tenho imensas ideias para o doutorado. A cada leitura, a cada discussão que tenho comigo mesmo, surge uma ideia ousada de uma pesquisa que eu poderia conduzir nas terras brasileiras. Incrível como tudo colabora para uma fuga do corrente projeto. Sinto-me calmo, não estou atormentado. Minha investigação corre bem e sei exatamente como conduzi-la. Se calhar, até tenho sono [Deve ser essa trilha do Ed Sheeran que coloquei a tocar enquanto escrevia]. Boa noite e até a próxima sessão.

Às 01:42