Oto Maracajá Branquinho: O Personagem, a Lenda

Segue, abaixo, uma série de posts publicados no Facebook com as histórias de um grande amigo do professor Olavo de Carvalho na sua juventude:

Na juventude eu tinha um amigo que nunca mais encontrei, o saudosíssimo Otto Maracajá Branquinho, que era um brigador incansável. Quando alguém o provocava, ele esmurrava o sujeito e gritava: “Confesse que é um bosta!” Enquanto o infeliz não concordasse “Sou um bosta”, ele não parava de bater. Hoje em dia já não é preciso isso. Os fulanos já entram na parada gritando “Sou um bosta!”

Continuando a história do Otto. Um dia ele chegou para mim e disse: “Não vou brigar mais. Vou tomar jeito na vida.” Cumprimentei-o pela louvável decisão. Passaram-se umas semanas e, ao ver uma briga numa boate, ele foi gentilmente apaziguar os contendores. Um deles, imaginando que ele estava tomando partido do outro, enfiou-lhe um copo no meio da cara, rasgando-lhe o nariz. No dia seguinte ele tirou a conclusão do episódio: “Vou voltar a brigar. É mais seguro.”

O Otto não era só um brigão. Era um gênio. Um dia inventou que ia ser médico. Na véspera do exame passou a noite bebendo com os amigos e lá pelas 4 da manhã perguntou “E agora? Se eu for para casa não consigo acordar na hora.” Dormiu na escadaria da faculdade, foi acordado pelo bedel, entrou, fez o exame e passou em terceiro lugar.

Mais do Otto: quando perdi um emprego, não lembro qual, eu e minha mulher ficamos numa merda que fazia gosto, e no fim fomos despejados do apartamento em que morávamos. A quem pedimos socorro? Ao bom e velho Otto, que morava com a mulher numa kitchenette, e nos recebeu de braços abertos, como se fôssemos um presente dos céus. Como esquecer um amigo desses?

Na época eu estava lendo as memórias do Henry Miller, e a nossa vida era igualzinha à dele: rindo e achando tudo lindo no meio da maior miséria. Quando a situação engrossava para além das nossas forças, o Otto tinha uma tecnologia especial para essas emergências: pedia dinheiro emprestado aos mendigos. Eles SEMPRE davam.

Outra: Quando veio o golpe de 1964, ele era membro (eu não) da União Brasileira de Estudantes Secundários, uma fachada do Partido Comunista. A polícia evacuou o prédio e montava guarda na porta. Temendo que as autoridades se apossassem do arquivo de sócios e prendessem algumas centenas deles, o Otto pulou o muro de trás, roubou as fichas e as destruiu. Nenhum dos beneficiados ficou jamais sabendo a quem devia sua liberdade. Mais tarde ele repetiu a façanha, desta vez junto comigo, quando saltamos o muro da casa de um conhecido nosso, guerrilheiro preso, para dar sumiço a umas armas que ele havia enterrado no quintal. A essa altura nem ele nem eu éramos mais militantes de coisa nenhuma, éramos apenas uns anarcoporraloucas, mas, se era possível tirar alguém da encrenca, por que não?

Logo que passou no vestibular, o Otto empenhou-se com a maior dedicação em faltar a todas as aulas. Por volta de setembro ou outubro começou a pensar num jeito de passar de ano. Procurou um médico amigo, arranjou um atestado de que tinha ficado louco (o que não era totalmente inexato, como se vê) e conseguiu autorização para prestar o exame. Trancou-se num quarto em total silêncio por um mês e tanto, só abria a porta para receber a comida que lhe levávamos, estudava o tempo todo, prestou o exame e passou. Nos anos seguintes freqüentou as aulas normalmente. Formou-se em Medicina pela USP.

Após publicar as histórias, Olavo recebeu uma série de pistas sobre o paradeiro de seu amigo:

Êta mundo pequeno, encolhido ainda mais pela internet! Recebi mil pistas sobre o meu caro Otto, e com certeza vou acabar localizando onde ele está. Obrigado a todos os que me enviaram informações.

Por fim, um admirador descobriu o trágico destino de Oto:

“Estimado professor Olavo de Carvalho, após ficar sabendo que o Sr. estava à procura do seu amigo de adolescência Oto Maracajá Branquinho, pesquisei na Internet sobre seu paradeiro, mas não achei nenhuma informação detalhada. Encontrei aqui no Facebook o perfil do irmão dele, que foi muito receptivo e educado e me disponibilizou seu telefone para me passar as informações sobre seu irmão. Bem, o Oto se formou e foi fazer residência numa cidade do Paraguai, na fronteira com o Brasil. Já no Brasil, em 1981, numa madrugada de sexta feira pré-carnaval, Oto estava voltando para casa de carro, tinha acabado de sair do plantão, e infelizmente, acabou dormindo ao volante e sofreu um acidente fatal.

Ariel Barja, seu admirador.