Ave, Valentino

Guerino Valentino Pontello. Ecce Homo. Vigário de Pitangui, MG, por décadas a fio. Ordenado em 1939, cruzou o Rubicão de tantas e tantas bodas sacerdotais. Sessenta e três vezes - e fração.

Assim, naquela cidadezinha altaneira, e cheia de tradições, muitas sem ainda tradução, não há, houve ou haverá quem não conhecesse esse virtuoso pároco. Mas, afinal, pároco, ou vigário? Vou ter que recorrer aos cânones eclesiásticos para saber. E não há de ser agora, pois que a hora é de homenagem e lembrança.

No nome está toda uma sequência de homenagens e não é a toa que fosse filho de Dona Italia, numa família cristã que consagrou tantos rebentos à vida religiosa. E se se pronunciava Güerino ou Guerino, uma só idéia me ocorre de seu outro prenome Valentino: teria a ver com o ídolo das telas dos anos pioneiros do cinema?

Essa pergunta nunca lhe fiz, acólito, pupilo, ou seminarista. Mas tava

tanto na cara - e até nos modos daquele ardoroso pároco que tanto era capaz de juntar-se ao futebol da rapaziada (bastando-lhe arregaçar a batina), como de fazer um sermão na matriz e ser ouvido a meia légua de distância (sem usar microfone), ou ainda a escamuçar vendilhões do templo. Pároco pra toda obra. E que foi vasta e rica.

Não chegava a ser um modelo de cordura, tal o ímpeto de muitas de suas ações, mas foi um homem justo, severo e que até ensaiou umas escritas no jornal da terra. Causos vividos e testemunhados, e muitos muito engraçados.

Terá feito milhares de batismos, casamentos e encomendas. Assim como missas, sermões e confissões. Entre os quais, a celebração do casamento de meus pais, em maio de 45, duas semanas apenas após o anúncio do fim da segunda grande guerra.

Tinha algo de admirável sobre esse homem que, talvez comuns pecadores não tenhamos absorvido na íntegra. Mas muitos de seu círculo mais próximo, e mais beato, hão de me contestar, cobrando-me mais profundidade. Mas quem sou eu, que fui aluno seu, e que

tanto sorvi aqueles belos ensinamentos de história viva, interpretada, sobre os sofrimentos do Cardeal Mindzenty, sob as garras do totalitarismo na Hungria do pós-guerra, sobre a luta organizada dos zelotes para se libertarem (dois milênios antes de George Bush) do jugo de Roma; e enfim. até sobre a crucifixão de Jesus, com detalhes técnicos que tanto diferem daquela clássica imagem do Cristo carregando a pesada cruz, quando, na verdade, teria carregado tão-somente o travessão que se colocaria sobre a haste, já fincada no Gólgota. Ainda assim, um peso brutal.

Mas agora tudo é insustentável leveza, nos esplendores perpétuos. Ave, Guerino.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 19/01/2015
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