GAROTA INTERROMPIDA

Eu tenho certeza que eu sou detritos de ontem, misturados ao prato de hoje, e sou isso todo dia. É inevitável não reutilizar o que passou, de alguma forma.

Lembro que quando eu era mais nova, quando eu tinha uns 10 anos, tinha uma imagem dos meus pais e da minha família, bem diferente da de hoje. Minhas festas sempre eram lotadas. Festa de aniversário, natal, ano novo... Eu realmente tinha orgulho da minha família enorme, tios, primos, avós e principalmente dos meus pais. Meu pai então, era meu herói, meu exemplo. Os dois eram, simplesmente, A vida que eu gostaria que fosse a minha.

Fui de uma geração onde muitos pais se separavam, e eu lá, com meus pais sempre presentes, juntos, assegurando o meu futuro, não pelo que faziam somente, mas pela idealização que se tornaram para mim.

Mas... Meu castelinho caiu, uma onda forte chegou, bateu e deformou. A minha visão deu uma distorcida, reparei que a minha família era enorme mesmo, e estava cada vez maior porque um grande número de tios arrumou uma amante, trocou seis por meia dúzia e claro, aumentou a família! E óbvio, meus pais eram tão perfeitos, justamente porque ainda estavam juntos... Até então né!

O casamento deles tava um fiasco, e separaram-se. Putz, eu tinha 17 anos, estava saindo do colegial, ninguém me avisou nada dessa parte da história... Tive que olhar pra trás e perceber que de onde eu vinha e para onde eu ia, já não existia. Estava sendo interrompida por um ponto de exclamação que significava: É tudo mentira!

Não era mentira o que os meus pais mostravam pra mim, mas a história que eu mesma inventei. E então eu fiquei sem rumo, sem chão, com vontade de sumir, sumir mesmo.

Nossa, eu entrava no meu quarto, colocava uns sons da natureza, e meditava por uma tarde inteira. Eu entrava em transe. A minha memória desta época é de uma floresta, com árvores altas, pássaros, um riacho e tinha um coelho também (acho que o coelho veio de quando eu era bem pequena e todo mundo tinha um coelho, menos eu). Bom, foi nessa floresta que eu passei muitas tardes (não, eu não fumava maconha, não sou maconhista, mas alguns amigos dizem que eu devo ter fumado tanto, mas tanto na vida passada, que o efeito dura até hoje).

Mas então, no meio da floresta surge um sapo! Meu ex-namorado. A última coisa que eu queria era namorar, senão eu não tinha me isolado numa floresta com pássaros e coelhos!

Eu havia desistido de acreditar em amor, namoro, casamento...Tava pensando em ir embora do país, mudar meu nome, cor de cabelo, fugir! Mas eu não precisei ir tão longe. O sapo me convenceu que era príncipe e nós começamos a criar o nosso mundo, a nossa historinha, o nome dos nossos filhos, a vida que íamos levar, um amor de alma gêmea, tatuagens...

Aff, to cansada, amanhã continuo...