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Escrevo porque escrever me cura, acalma-me, faz-me outro que não sou e poderia ser, que me torno ao fim da escrita, mas antes dela não o era; se o era, só em gérmen, em potencial. Escrevo, portanto, porque assim como a música, a escrita tem poder curativo. Não como um remédio para uma doença, não! Como uma prótese para o membro falido, uma sobreposição à invalidez que o mundo me fez ou me deu, alguma espécie de suplemento que preenche a falta que no mundo se me faz.

É a mim um excesso a escrita, sem dúvida. É algo que sobra, excede-me, como o suor que não cabe no corpo e vaza pela pele, desrespeitando qualquer controle, qualquer limite, como a saliva enchendo a boca e escorrendo pelo queixo, pescoço, roupa... É um excesso, sim, algo maior que eu, além de mim, que, portanto, excede-me.

E é muito curioso que assim seja, é um excesso e uma falta, que contraposição, hum?! Só é uma contradição em termos, observai bem o que disse e vereis que não há dissolução das palavras em contradições. É um excesso de falta, é um vazio grande demais para ser sem auxílio, sem essa muleta, essa terceira perna, essa prótese que me é a escrita (e a música). É um grande nada, mas ele é tão grande, que me sobra, é um verdadeiro Nada, grande, grande Nada...