Cambota

Já faltou - e com que força - água, luz e até vergonha a Pitangui através de seus meros três séculos de existência, contudo uma coisa em que a briosa cidade-mãe do centro-oeste mineiro nunca careceu foi de bons humoristas, verdadeiros transformadores de situações calamitosas, deseseperadas, em belas prosas, encantadas e, sobretudo, engraçadas.

E na interminável fieira que nos meus tempos, desde menino a pre-ancião em desatino, vi desfilarem verdadeiros reis do riso e da falta de siso, nas figuras excêntricas de um Samuá, um Ladinho, um Dininho, um Jonba, um Barrica, um Tatica, um Chum-brega quem relutaria em colocar um Cambota em ainda mais alto putamar?

E quem é de minha geração, ou de perto dela, se não tem caso do Cambota a relatar, é como ET é que se há de classificar. E mesmo assim, olhe lá, no largo espectro da abóboda celestial, há de ter chegado algum eco do Juvenal. Não sei se é mero falatório, mas ouvi um tititi de que ultimamente o que tem de gente preferindo ao céu, o purgatório...E só para ouvir mais lorota do genial Cambota.

De memória, lembro-me de uma ocasião em que nos confrontamos, tête-à-tête. E o ano "havera" de ser 73/74, quando, da musa acompanhado e de ego todo inflado, assomei na Cantina do Ângelo para churrasquear e, como gerente, e regente, o maestro Cambota lá enfrentar.

A casa estava meio vazia naquela noite e acho que para agitar o ambiente, Cambota chegou junto da gente e me anunciou a presença do grande tricampeão Tostão, que jantava com uns seletos amigos. Cambota animou-me a colher um troféu para a musa, por meio de um autógrafo com a celebridade. E para tornar o feito mais perfeito, advertiu-me para levar comigo um par de óculos para a eventualidade de o Doutor Eduardo não enxergar o papel.

Tomado pela cerveja e guiado pela expectativa benfazeja parti, entre o intrépido e relutante para a mesa do tricampeão cintilante. Ao chegar, falto de palavra que pudesse comover - ou como ver mesmo - transmutei-me para o portunhol que então conhecia, assumindo que era un hermano, de Argentina.

O drible engasgou, quando Tostão respondeu-me que eu não parecia argentino, tava no máximo para panamenho, mas sem franzir o cenho, premiou-me pelo empenho. E rubricou o papel.

Achando-me ridículo, idiota, como vingança, a gorjeta dobrei ao impagável Cambota

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 14/04/2016
Reeditado em 14/04/2016
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