NÓS E LAÇOS PROFANOS

Charles Now sabia a hora do herói aparecer. Há um momento certo desta aparição no roteiro de filmes de aventura. Há um momento exato também para o rapto da mocinha e o surgimento do vilão: pouco antes do herói perceber ser um homem colossal. Charles não esquecia a lista: colocar na cabeça da mocinha o fascínio pelo vilão (é necessário o fascínio para afetar as mulheres da plateia); mostrar o espanto do herói pela morte do melhor amigo ou por outros extermínios (do pai, do cientista, do segundo amigo, da amiga de infância) que provocarão no espectador a sensação de que tudo é uma caixa dentro de uma caixa dentro de uma caixa e o vilão é o maior empacotador de todos.

Charles Now conhecia roteiros. Pouco antes do fim era preciso deixar o vilão quase ganhar o jogo. Esta possível derrota, no ponto certo da história, colocaria no espectador a sensação de estar vendo a sua própria mãe concebendo o vilão ou mesmo abandonando este mesmo espectador, no alto de uma montanha, por sua ousadia em ter nascido apenas um homem comum.

Tudo passaria pela cabeça da plateia que, no entanto, acreditará no final feliz.

Charles Now sabia destes temores e ajeitava o momento adequado de coloca-los na trama quando desandaria a imaginação de todos. Tudo eram fórmulas que deviam ter medidas absurdas. Medidas absurdas existem no mundo...como a quantidade de Coca-Cola e vitamina B12.

Charles Now sabia também o momento exato do herói beijar a mocinha. O beijo é algo significativo na trama porque através dele a plateia percebe o herói e sua amada dentro de um todo que, junto com cada espectador, justificaria a própria existência do filme.

Charles Now, grande roteirista de cinema americano, avisou a imprensa sobre a aposentadoria. Não forneceu justificativas. Ele tinha sessenta e cinco anos. Iria cursar uma faculdade de Filosofia na Universidade de Ohio queria entender porque os homens são tão recorrentes e não percebem como os prazeres são cíclicos.

Charles morreu hoje, quinta-feira, dia 28 de abril de causas ainda não explicadas.

Charles Now afirmava também que há muitas mortes em um mesmo corpo e geralmente o fardamento ou o terno do noivo tornam todas as dores necessárias.

Do meu livro: ÓBITOS EM COPACABANA"