Memórias - Parte 4

Era 1946. Num mês de maio, o derrame cerebral repete o seu ataque e o papai agoniza durante horas e falece. A mamãe que já vinha economizando o dinheiro para o funeral é quem faz as despesas. Conhecidos e parentes levam aquele corpo ao cemitério nos seus 55 anos de idade gastos imprudentemente, vítima da revolta e desobediência, deixando viúva e filhas ao desamparo. Cinco dias depois morre também, seu irmão que fora trabalhador, ordeiro, bom filho, porém infeliz no casamento. Agora aqueles dois adolescentes são recolhidos por uma tia que era irmã de seu pai e do meu pai. Esta senhora tinha bom coração, mas seu marido possuía muitos bens e sofria de complexo de superioridade, por isso não consentia que ela ajudasse os parentes pobres. Tinham cinco filhos. Apesar da objeção, ela mandava os seus empregados trazer todas as semanas a alimentação para a velha mãe e os irmãos doentes. Tudo era feito às escondidas! Os parentes não tinham acesso ao sobrado grande, de cinco quartos, de vários tapetes e lustres! Apesar de todo conforto aquela esposa não era feliz! Era comum a divergência. Mas eu conseguia lá entrar e ser bem tratada por todos. Era lá que eu podia saborear um copo de leite, uma fatia de queijo ou uma comida bem feita, tomar água gelada ou ouvir rádio!!!

Apesar dos infortúnios consegui um Diploma do 5º ano com nota 100. Era a 1ª da classe apesar dos protestos e inveja das colegas de melhor situação. Era um grande sonho que agora se realizava! Pois parecia impossível até mesmo este mínimo!

Agora eu poderia pensar num emprego, até que houvesse os recursos para continuar os estudos, pois não seria fácil, visto que na cidade de 35.000 habitantes em que eu vivia não havia um ginásio. Mas eu tinha esperança de que surgisse uma oportunidade de ir à Capital que ficava a 4 horas de distância em navio. Enquanto aguardava lia bastante. Devorava os livros com muita fome de saber, ser alguém, alcançar o ideal, eis a meta.

Enquanto isso a vida se encarregava de trazer-me mais tristezas e desalento...

Devo contar que com a morte do papai e do titio, a vovó precisava deixar aquela casa por alguns meses, visto que as medidas de higiene exigiam rigoroso cuidado para que não se propagasse a doença com o vírus da tuberculose que vitimara seu filho. Costuma-se destelhar a casa e deixar que o sol penetre na casa, pintar as paredes e portas, desinfetar bastante o piso, depois de destruir todos os móveis. Aí podemos assistir novas aflições pela falta de solidariedade que pudemos sentir na época. O problema consistia onde abrigar a vovó nos seus 73 anos! Para casa da filha impossível pelos motivos já expostos, porém a titia custearia as despesas e a vovó bateu em várias portas de pessoas conhecidas e irmãos na fé, mas como interioranos todos têm medo da tuberculose e as desculpas são as mais variadas no sentido de não abrigá-la, era como se evitasse um leproso, principalmente porque a vovó também sofria de bronquite asmática! A vovó sofria mais esta decepção! Onde estão os amigos, parentes, irmãos na fé, vizinhos, etc?!!

Iracy Edington
Enviado por Iracy Edington em 19/07/2007
Código do texto: T570791