Memórias - Parte 5

Devo salientar que a vovó fora criada com recursos bastantes, pois seu pai era senhor de escravos, como ficasse órfã de mãe aos 10 anos, sofreu sentimentalmente. Aos 15 anos conhece um jovem inglês, natural de Liverpool, onde estudou medicina, não chegando, contudo a se formar, vindo para o Brasil, após seu pai que viera instalar as primeiras máquinas de tecelagem no país e nossa cidade era pioneira nesta indústria! Amaram-se muito e contraíram núpcias em 1885. Foram residir numa fazenda de cocos de frente para o oceano com oito quilômetros de frente por 20 quilômetros de fundos, pertencente ao velho inglês e filhos em número de três ainda residentes na Europa. Ali naquele recanto que era maravilhoso, em contato direto com a natureza, eles tiveram 14 filhos. Além de cuidar da numerosa prole, ele dedicava-se a ministrar remédios às pobres gentes caiçaras que afluíam das redondezas. A necessidade de médicos era muito grande e ele conseguiu se licenciar farmacêutico e então deixou a fazenda com escravos alforriados que não quiseram deixa-los depois da Lei Áurea e foi em busca de uma cidade próxima e instalou ali sua farmácia e comprou mais uma fazenda de laranjas, cacau e cravo da Índia. Viveram felizes, em plena harmonia! Chegou o apelo de outra cidade necessitada de recursos médicos e ele se dispôs a atender e quando viajava em companhia do meu pai, (que era o 4º filho, porém em lugar de mais velho visto os três primeiros terem morrido ainda na infância) sentiu-se muito mal e parou na casa de um amigo. Ali deu os últimos conselhos e recomendações ao filho, que nesta época tinha 17 anos, e faleceu, longe da esposa querida e dos cinco filhos, uma de apenas 21 dias de nascida.

Meu pai assiste ao funeral, naturalmente traumatizado diante de tamanho golpe! Fica ali na cidade de Lage o corpo do querido pai! Volta tristonho, chocado para o lar onde teria agora a responsabilidade de chefe da casa. Depois do choque e abalo sentimental de toda a família surge o velho pai de minha avó, este era português, havia sido mau senhor , era prepotente e coloca-se como tutor da filha. Surgem as intrigas entre avô e neto e aquele agindo gananciosamente, colabora para que fossem vendidos as fazendas, farmácias e outros bens. Voltam agora a viúva e filhos para a terra natal, onde seu pai era funcionário da Prefeitura e já tem outra família, pois se casou em segunda núpcias. Aí na cidade, com o filho mais velho revoltado e irresponsável vê acabar todo o dinheiro e agora teria de manter os filhos. Como amara muito o marido não deseja casar-se então luta muito, arranja um emprego naquela indústria de tecidos e nas horas disponíveis atende a muitas parturientes, profissão que herdara do marido. É nesta árdua luta que adquiriu aquela terrível bronquite asmática. Não obstante dedica-se ao próximo com todas as suas forças. Podia-se contar as crianças vindas ao mundo com a sua colaboração às centenas. E é assim que chega ao ponto a que nos referíamos de precisar de um abrigo, nem mesmo com uma sobrinha rica que precisara de seus serviços de parto para 10 filhos pode contar! Foi a isto que assisti naquela emergência, então o jeito foi a vovó vir para o nosso barraco e ali com muita febre eu assistia a velha delirar e no seu delírio chamava ainda pelo querido esposo, após 38 anos de partida. Isto é que era amor!

Após o conserto da casa, voltamos todos: a mamãe, a vovó, eu e minha irmã com sete anos, para aquele bairro, que tão aborrecida havia eu deixado. Pelo menos havia alguma coisa que me alegrava. Pois pensava eu, naquele ambiente seria mais fácil vencer, pois apesar da pobreza o povo trabalhava, era ordeiro e donde nós saíamos o comum era jogo, álcool, prostituição, macumba e vadiagem. Mas Deus nos guardou e nada daquelas coisas negativas nos contaminou.

Agora 1947, logo no mês de março, o primo que ficara órfão juntamente comigo, agora com 16 anos, ouviu um ruído intenso, julgando ser um avião caindo sai do sobrado em desabalada carreira e foi encontrar-se com a morte no quintal da casa onde a alguns metros passava um fio de alta tensão que incendiara-se e ele deixou esta vida, sem muito amor nem carinho, já que a mãe dele o havia abandonado, indo para o Rio de Janeiro de onde dias antes tinha mandado buscar a outra filha. No entanto para a minha avó é mais um golpe a que só resistiria porque tinha muita fé e resignação, pois só havia dez meses que perdera os filhos e agora mais um neto querido! Tudo isto mais uma vez assisti tristemente!

Iracy Edington
Enviado por Iracy Edington em 22/07/2007
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