Memórias de uma abelhinha de Irati

Com  imensa  satisfação fui  convidado  à  fazer a  apresentação do  livro de  Mirian  de Oliveira  Vargas.Confesso-me com  pouco  traquejo para  tal,mas a amizade  que  nos  une  falou  mais  alto e ,eis-me  aqui,na  tentativa  de  dizer um  pouco  do  muito  que  esta  leitura  representa.
Miriam empresta-se  em  alma  e coração à  cada  linha  desta narrativa.Cenários e  pessoas vão delicadamente entrando  páginas  à  dentro e em poucos  instantes  sentimo-nos totalmente  familiarizados com seres e situações  que povoaram o  cotidiano  da  autora ,que  com pinceladas  fortes de  emoção  e  humanismo  os  partilha  generosamente com  o  leitor.
Miriam reescreve  o passado  e  suas  mais  ternas  e  humanas  lembranças com  a  magia  de  uma  "Senhora  Leandro  Dupret",quando dava  vida  à  inesquecível  Dona  Lola e  os  demais  personagens  tão  famosos  de  "Éramos  Seis".
O  saudosismo  que  cercara a  Sra.Dupret quando  de  sua  passagem  num  bond e pela  avenida  Angélica,rola  em  paralelo  com as  emoções  de Mirian nos recônditos da  Vila operária  do "Santos  Aleixo".
A "Abelhinha  de  Irati",como  costuma auto  definir-se, certamente sugou  das  flores que  sempre  desabrocharam em  versos  neste    rincão  amado à  que  chamamos  Irati,o  mais  puro  nectar do  lirismo  e da  poesia.
Orreda,nosso  mestre  maior,sentiria  orgulho  desta  filha  da  terra.
Enfim,uma  leitura maravilhosa  que  só faz  enriquecer o  berço  literário  deste  vale  de  mel onde  a imagem  de  Maria nos  abençoa noite  e dia.
Joel  Gomes  Teixeira

Mirian,estou  enviando  minhas  considerações  sobre  o  que  li e  estará  em seu  livro.Conheço  meus  limites  intelectuais  para  tal,mas  deixei  fluir  o que meu  coração  sentiu  quando  revisei  teus  textos.Sucesso em sua empreitada.

Obrigada amigo iratiense pelas suas consideraçoes.....

PRIMEIRA PARTE

Diante de uma folha em branco,um mundo de palavras se descortinam em nossa mente,e quantas coisas se pode escrever,num momento de solidão
Os dias passam,as horas passam e as noites torna-se intermináveis,como intermináveis são as divagações...
São lembranças desde a infância,até o apogeu da velhice,que movem esse desejo de tornar as palavras cravadas na mente, como numa concha no fundo do mar.
Da infância até a velhice, se estende uma longa ponte invisível no túnel do tempo..
Recordações vão jorrando feito mel, que escorre lentamente do favo,ora adocicadas,,ora menos doce,desaguando todas na velhice,nosso ultimo estágio.de vida.
É necessário escarafunchar os fatos,item por item,pra que nada se perca,quando o assunto é: a Nossa Vida...

Todos tem suas histórias de vida,do nascer ao morrer,com os altos e baixos,risos e lágrimas,dores e desamores.
Quando muito pequena,era por demais calada, por certo observava o mundo
na expectativa do que haveria de vir na mocidade.
O aconchego do lar modesto,muito contribuiu pra tanto mutismo
Por não haver muito a observar ou admirar e muito menos esperar,diante da pobreza extrema,com mil carências e nenhuma chance de mudar. 
Sentada junto a tosca mesa de madeira bruta,observava o vai e vem dos pratos rasos esmaltados,com a indiferença de quem nada entende da necessidade de dividir um ovo ao meio,repartindo com mais alguém.
Num dia assim chuvoso,nariz apoiado na vidraça,olhava a chuva cair,sem parar,entre ventos e raios, estremecia de medo,mas agarrada a saia da mãe querida,nada temia,,sentia a segurança de um barco no ancoradouro.
Nas noites de insônia,com medo do bicho papão,agarrada à chupeta de borracha, que assoviava,ficava mastigando até o medo passar, numa forma de proteção e o medo passava.
Porem um dia o assovio desceu goela a baixo,causando transtorno e medo aos pais,que com precisão mandavam também, goela a baixo,colheradas de azeite, pra expelir o pequeno objeto.
Era tão grande a necessidade daquela chupeta, que demorei a deixá-la.
Só o fiz,quando me foi prometido ganhar do papai Noel,uma sombrinha no dia do Natal.
Essa separação foi sofrida,passei aquele ultimo dia agarrada a chupetinha,como se fora a despedida de uma amiga inseparável.
Sofreu...doeu...passou 
Foi a chupetinha e ficou a sombrinha...
Foi uma troca justa ou seria apenas pretexto, pra me separar de algo que mais gostava.
Tive também momentos alegres e musicais, ao completar meus quatro anos...
Fui homenageada com uma tocata,com direito a sanfona do ceguinho Tião irmão da Elza, que casou mais tarde com o Ubaldino,o filho da Nha Davina e irmão do João Maria polenta fria,como chamavam a criançada.
No cavaquinho Seu Lóca,o pai do Luiz Mico.
E no clarinete,meu pai.
Que festança...saracoteei e até ensaiei uns passos de dança,na inocência que só as crianças  trazem consigo.
Foi minha primeira e única festa naquela fase da vida,agora distante.
Por volta dessa idade,a morte me rondou pela primeira vez, quando ao passar debaixo de uma cerca de arame na pedreira, dentro de uma gaiota eu e minha irmãzinha Lili.
Ao avistar a vaca furiosa vindo em nossa direção,mamãe puxou rapidamente a gaiota e ficamos agachadas e por um triz, não fomos atingidas pelo arame farpado, pra fugir do animal. 
Agachadas ficamos,enquanto o arame farpado nos ameaçava.
Foi por um triz... 
A partir daí as lembranças começam a pesar, ficam mais sofridas, como o acidente na fabrica do seu Aleixo,sendo jogada em meio as correias. Só a vida me salvou da morte certa.
Tempos depois, numa tarde morna e abafada, correndo em brincadeiras, fui alcançada e mordida na perna, pelo cão chamado jipe do Zé sulino, pai do Mano e Maninho, dupla cantante da difusora, 
Começava ali uma longa peregrinação em busca de medicamentos na Farmácia do Vico, que sempre brincalhão, aplicava as injeções em volta do umbigo, dolorosamente.
Pra compensar tantos dissabores passei a cantar também na Difusora aos domingos no programa Atrações Mirins.
Alem disso, acompanhava meu pai nos bailes de carnaval do Clube do Comercio, onde ele tocava pra ganhar uns trocos extras, depois de um dia cansativo como carpinteiro e pedreiro da Prefeitura de Irati,ele  ainda tinha fôlego e disposição pra música.
Era compensador, receber e agradecer ao Café Irati e as palmas do auditório naquele presente tão útil,que levava com carinho pra casa, pra entregar a minha mãe,que me escutava na soleira da porta,pelo radio da vizinha.
Vez por outra, recebia uma entrada pra matine do cinema e mais feliz ficava.ainda, se o filme era com Elvis Presley o meu amor platônico.
Certa ocasião, ao invés de ficar só na platéia, subi ao palco do Cine Central, pra fazer o coral do seu Adriano Trevisan,cantando seu Chuá Chuá...
Foi e continua sendo a lembrança mais incrível de toda minha vida por que aquela menininha, chamada de mudinha, se superou e desafiou sua própria coragem, ao enfrentar uma platéia que lotava os domingos da Difusora Iratiense.
 Atrações Mirins era comandado pelo Santoro Neto, mas foi das mãos do seu Diretor Alfredo Leite, que ganhei o meu primeiro troféu em forma de um disco que guardo ate hoje, com imenso carinho.
Ao cantar o Filme triste gravado pelo Trio Esperança, jamais imaginaria como seria a vida a partir dali, afinal meu mundo real era ali,entre aquelas montanhas e campos verdes.
Desconhecia no vai e vem do trem, outras cidades e sentada a beira da linha do trem,ficava a imaginar como seria o mundo no final daqueles trilhos que se perdiam nas curvas.
O apito que ecoava naquelas curvas, pareciam anunciar uma promessa de nova vida,longe dali
Mas, como se desgrudar da cidade que nos viu nascer, sem sofrer?
E  aconteceu então de repente, a descoberta do primeiro amor,e com ele, a decepção causada pela diferença de classes sociais.
Pra compensar, houveram amizades compensadoras no primeiro emprego que me foi oferecido na Famacia Pessoa, aos 16 anos de idade no ano de 1062.
Inexperiente, sem ao menos saber atender um telefone, fui jogada na arena da vida, pra aprender que na vida ,quanto mais difícil é o aprendizado, mais saborosa será a vitoria
E assim fui, vi e venci ,com a ajuda de duas amigas, as quais não posso deixar de citar seus nomes, pois muito me ajudaram,estendo-me a mão:
Marica e Terezinha Lopes.
Com a separação dos pais, coube a mim como filha mais velha, amparar e ajudar na criação dos filhos menores, 8 ao todos.
Sendo então já uma telefonista da Cia telefônica, fica aqui um registro pra  agradecer  a dona Joana e a Charlotte, que muito me ensinaram na abnegada profissão e da qual, somente saí com transferência, pra cidade de Curitiba.
Um novo horizonte se descortinava a minha frente,mas era assustador o novo mundo que se abria, dada a diferença enorme, entre a capital e uma cidade pequena do interior;como era minha cidade conhecida como Pérola do sul.
Após curto período de adaptação, voltei buscar a todos, trazendo na bagagem somente a roupa do corpo e a confiança em dias melhores no coração...
Foram longos e árduos os dias que se seguiram na trajetória, que durou mais de 40 anos em Curitiba..
Menos de um ano, minha mãe quis voltar  pra Irati, por não se acostumar na capital,então, fui despedida da Telepa, por não poder mais ser transferida novamente.
Diante disso, minha mãe resolveu ficar, e recomeçou pra mim nova batalha, a procura de um novo emprego..
Começou a longa busca por novo trabalho, e algumas vezes fui a pé, por não ter dinheiro pro ônibus.
Arrumei outro como telefonista, que durou pouco, após perder a voz ,acabei perdendo também o novo emprego.
No ultimo dia do aviso prévio, estava chorando baixinho, quando apareceu um anjo em forma de mulher, e me consolou dizendo que me ajudaria a achar outro.emprego.
Dito e feito...
Ela me conduziu pra trabalhar nas lojas Hermes Macedo,que na época era uma potência em todo Brasil.
Foi ali na HM,que conheci a melhor amiga de todos os tempos,por ter me levado pra conhecer o mar pela primeira vez,numa excursão a Guaratuba com uma turma de amigos japoneses, como ela.
Foi uma amizade tão duradoura, que permanece ate hoje, após tantos anos.
Foi trabalhando como telefonista da HM, que, incentivada pela dona Lourdes minha chefe, voltei a estudar, fazendo o segundo grau,30 anos após ter feito o primário no meu querido Grupo Escolar Duque de Caxias em Irati.
Ali também conheci a oportunidade de um novo amor, que morreu junto com a rosa que me deu e não vicejou.
Após um desgaste emocional, perdi a voz novamente, e fui aconselhada a operar as amígdalas,mas de nada adiantou e o resultado foi  perder o emprego mais uma vez.
Novamente,recomeçou a batalha pela sobrevivência....









 
Memórias de uma abelhinha de Irati
Enviado por Memórias de uma abelhinha de Irati em 28/09/2017
Reeditado em 23/08/2019
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