Aurora, matutina

Aurora Nery Pereira é minha avó paterna. Esta biografia tem boa dose de amor, pois os que amamos costumam não ter defeitos, é esta a sua armadilha. Não tem nenhuma dose de isenção ou cuidado de distanciamento, pois é em grande medida também autobiografia.

Vó Aurora nasceu no dia 26 de maio de 1904, na cidade de Lagoa Santa. É filha de Joaquim Nery Filho e Maria José, agricultores. Passou sua infância às margens do Rio das Velhas e nos conta a grata lembrança da brincadeira de criança de colher laranjas pendentes às margens desse rio.

É a irmã mais velha de uma família de sete irmãos, tendo perdido sua mãe muito cedo. Foi criada por sua madrasta, dona Brígida.

Seu pai mudou-se para Pedro Leopoldo a convite do então proprietário da Fábrica de Tecidos. Aurora e suas irmãs passaram, então, a trabalhar na Fábrica como operárias.

Aurora saiu da Fábrica às vésperas de casar-se com o saudoso Aristóteles Antônio Pereira, no dia de seu aniversário, em 26 de maio de 1926, aos 22 anos.

Criou seus filhos Áurea, Aristóteles, Dalva, Alfa, Auxiliadora, Roberto, Maria José e Leonardo na Fazenda do Barreiro, onde residiu a maior parte de sua vida.

Sempre dispensou aos familiares vizinhos e amigos muita cordialidade, foi parteira em diversas circunstâncias e também mãe de leite. Em suas Bodas de Ouro, Aristóteles Antônio Pereira, carinhosamente tratado por “Tote”, nos traria um valioso depoimento, ao nos dizer que jamais encontraria outra Aurora em sua vida.

São registros da personalidade forte de Aurora a positividade e a caridade para com o outro. Jamais seria possível visitá-la na Fazenda do Barreiro sem de lá sair com um agrado – uma manteiga, biscoitos e broas – mas, sobretudo quem por lá passasse seria marcado por sua afetuosidade e capacidade de conciliação. Além disso, Aurora sempre nos brindou com histórias e casos, também marcados pela afirmação de seu bom-humor: “jamais deixei escapar uma cobra! Era chegar na porta da minha cozinha e eu matava”.

Há cerca de dez anos, Aurora vive com sua filha Maria José e seu genro Nelson Marques – e filhas – cercada por todos de carinho, acalanto e gratidão.

Aos 104 anos é considerada por que a visita com encantamento, sobretudo porque sua vida afirma o valor da pessoa humana e sua capacidade de viver e amar com fé e alegria. Sua grande família é composta hoje por seus filhos, irmãos, sobrinhos, 24 netos, 35 bisnetos e 1 tataraneta. Mas, por tudo o que ela representa, sua família também é composta por seus amigos, aqueles com quem ela divide a vida, os afetos e seus valores.

Sua história é indiciária da trajetória de um arraial que vai se tornando município, uma história que mescla ruralidade e industrialização nascente.

Grande mãe, Aurora tornou-se para muitos o signo de longevidade sábia, daquela vivida com cheirinho de pitanga, galinha com pintinhos no quintal e a boa sociabilidade do afeto da terra de Minas.

Aurora é nome de origem latina que simboliza “as manhãs” e, na mitologia romana, Aurora é a deusa do amanhecer, aquela que se renova toda manhã, logo após a noite. Sob o nome da renovação a cada dia, nossa Aurora vem, durante 104 anos, afirmando conosco e perante nós, a força plena da vida humana e sua capacidade de anunciar o reinício que encerra todo suposto fim. Por isso, Aurora é nome que nos remete à capacidade humana de superação, aquela que, após a morte - representada pela noite – é capaz de fazer emergir vida nova, alegria e plenitude.

Nesse sentido, Vó Aurora nos faz reingressar na vida pela mitologia, mas também pelo seu exemplo maior simbolizado por uma vida que é renascer permanente – em que não faltaram, eu sei, amarguras e perdas, mas também paciência e alegria.

Publicado em maio de 2007.

Júnia Sales
Enviado por Júnia Sales em 10/11/2007
Reeditado em 30/04/2008
Código do texto: T731841
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