ANTÔNIO LOPES DE LIMA (Parte I)

Dindinho

Antônio portava dois sobrenomes de procedência luso-espanhola; o Lopes (derivado do nome próprio Lopo “lobo” animal), e o Lima, classificado como toponímico, ou seja, de derivação geográfica, da região do rio Lima “Limia” que significa “esquecimento”, rio que nasce no sul da Espanha e deságua no Atlântico, ao norte das terras de Portugal.

De alguns documentos garimpados nos porões frios e úmidos do Arquivo Público Estadual, conseguimos obter, além das informações de sua profissão, algumas notícias realçando de ter sido um homem zeloso, detentor de inúmeras moções de congratulações, principalmente aos serviços prestados ao município de Fonte Boa.

Embora Clarice tenha recordado um dia, enquanto mocinha, visto na casa de seus avós maternos alguns documentos de Estrangeiro emitidos na Secretária de Polícia e Segurança Pública do Ceará, cujo “timbre trazia o brasão da República Federativa do Brasil”, não soube, contudo, informar de quem eram, nem mesmo assegurar quem os herdou. Certamente se perderam no tempo, carcomidos pelas traças impiedosas que provocam as desmemorias nos muitos lares da sociedade brasileira. Neles haveríamos de resgatar informações preciosas, dentre os quais, nomes de descendentes, datas de nascimentos, a embarcação que trouxe a família para essas bandas, ano em que aportaram no Brasil, número de registros civis, contextos, etc.

Eurídice, que também teve o privilégio de conviver com ele, informou ter sido seu avô materno um homem de estatura média, pele alva, e que usava bigode, às vezes encerado, cujo estilo, bastante popular à época, evidenciava sua posição econômica e social. Em crônicas, lembrou que “se vestia sobriamente”, e embora afastado dos grandes centros, a exemplo de Manaus, o velho português estava sempre com seu terno de linho, e o imprescindível chapéu. Quando viajava a negócios, outro elemento se integrava a sua vestimenta: uma bengala, não por precisão, mas por ser requisito indispensável aos homens que participavam dos grandes eventos sociais, políticos e comerciais que ocorriam na sede da Capital.

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O OFICIAL DA GUARDA NACIONAL

Entre as muitas facetas encontradas no bojo das histórias do pai de Zulmira, sublinha-se, sua participação no corpo de oficiais da Guarda Nacional, uma espécie de força armada formada pela elite, cujos membros, além do direito a voto, eram dispensados de servir ao Exército. Segundo as referências, empreendiam o ofício sem receber do governo nenhum tipo de pagamento para ocupar o cargo, tendo ainda que comprar os fardamentos, enfeites, broches e espadas. Seguramente o status e o poder correlacionados faziam valer os “custos”, bem como supriam, e muito, tais investimentos. A maior patente que um civil poderia alcançar era a de Coronel, título reservado aos grandes proprietários de cada região. Desse advento surgiu o fenômeno do coronelismo que tanto marcou a política brasileira. Para o professor Samuel Benchimol, esses militares pertenciam a uma classe social de elevado prestígio. Nesta mesma linha o historiador Roberto Mendonça afirma que, na Província do Amazonas a Guarda Nacional se constituiu em maio de 1882, no governo de José Lustosa Cunha Paranaguá, e com essa organização, criou-se, entre outros, o 4º Comado Superior na Comarca do Solimões, que, por vez, era formado de um Batalhão de Artilharia e quatro Companhias. A partir dessas informações colhidas no “blog do coronel”, buscamos estabelecer como se deu a entrada de Antônio nessa agremiação de armas.

Segundo Maneco, em Montserrat, ainda no tempo do Império de Dom Pedro II, seu avô, Antônio Lopes de Lima, já atuava como oficial Tenente da Guarda Nacional. Lá, além de comerciante também militava na política local. Embora o distanciamento dos grandes centros, a vila estabelecida na região do Acre era economicamente ativa, dispondo de boa estrutura para a manutenção de armazéns comerciais e casas aviadoras que despachavam mercadorias aos seringais mediante pagamento em “pelas de borracha”. Essas, muita das vezes, eram financiadas por firmas exportadoras, dentre as quais, a poderosa J.G Araújo, pertencente ao Comendador Joaquim Gonçalves de Araújo (1860-1940). O porto da pequena, porém pujante vila, também recebia, quase que diariamente, barcos e vapores de todos os matizes.

Eurídice bem lembrou que seu avô Antônio teria iniciado a carreira militar como Alferes, no tempo em que morava no Ceará. E, ao chegar “a terrinha”, vindo do Acre, certamente trouxe consigo a patente de Tenente. Decerto é que, posteriormente, diversas notas de jornais dão conta que ele, em 1889, já desfrutava em Fonte Boa do posto de Capitão sob a égide do 8º Batalhão estabelecido na cidade de Tefé. E que em 1917, havia alçado ao posto de Coronel, por ter cumprido todas as exigências, entre elas, a de ser grande proprietário de terras e político de prestígio atuante na região.

Resumidamente, sem a intenção de querer promover análise específica sobre a Guarda Nacional, nem mesmo compreender os mecanismos do fenômeno conhecido como “coronelismo” cuja associação imediata faz com que os dois se confundam, tornando-se até sinônimos, acreditamos que, para um breve entendimento sobre a matéria, o pensamento de Victor Leal Nunes resume as relações de poder e interferência política na organização da Guarda Nacional:

[...] investidura dos oficiais da Guarda Nacional, os quais, com as exceções definidas, eram eleitos dentro dos próprios quadros da corporação, com predomínio do poder local. Mais tarde, porém, quando o espírito centralizador já havia senhoreado o governo, foi abolida a eleição: nomeações e promoções, pela lei de 19 de setembro de 1850, passaram a depender do poder público. A esse tempo, já dominada toda a organização da polícia pelo governo central, diretamente ou através dos presidentes de província, a Guarda Nacional haveria de ter o mesmo destino e não tardaria a tornar-se predominante e, depois, meramente honorífica e decorativa: com as suas patentes, distribuídas somente a correligionários, preveniam-se rebeldias ou premiavam-se devoções. O prestígio do título passou a constituir sedução muitas vezes infalível na técnica de captação dos chefes locais. E a República continuaria a utilizar o processo durante muito tempo. (...) A partir da segunda metade do século XIX, o descrédito da Guarda Nacional não são mais do que reflexo do mesmo fenômeno: a progressiva decadência do poder privado, que, mediante um compromisso – já significativo de seu declínio – encontrava naquelas organizações um meio institucional de expressão.

Embora alguns louvem e outros declinem glorificar tal corporação, não se pode negar o tempo, e o contexto social vigente. Quando alcançou o título de coronel, apesar do poder político fortemente vigente, naqueles idos à utilização da patente era mais “honorífica e decorativa” do que institucional. Para Antônio tudo isso podia até ser importante, mas, o que o "velho português" realmente gostava, frisou Maneco, era de exercer as suas atividades comerciais.

Continua...

LINS, Eylan Manoel da Silva. OS PIONEIROS: raízes da Família Lins no Município de Fonte Boa, 2023.

Eylan Lins
Enviado por Eylan Lins em 25/09/2023
Código do texto: T7893802
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