ANTÔNIO LOPES DE LIMA (Parte II)

O HOMEM DE NEGÓCIOS

Tomando corpo sobre esta questão, é fundamental destacar, que a vida comercial de Fonte Boa se legitimou pelos processos “empreendedores” das muitas famílias que ousaram plantar naquele chão as primeiras sementes do “progresso de seu desenvolvimento econômico”. Resta grifar, que carece de resgatar as histórias sociais dos povos indígenas, dos judeus, nordestinos, portugueses, árabes e dos próprios filhos da terra - de nascimento ou de coração – abnegados que ajudaram a construir a cidade e, particularmente, a sua identidade.

Nesse sentido, cabe lembrar, que o velho português cultivando as tradições luso-brasileira, se tornou comerciante, e a exemplo de muitos outros atores sociais, pôde escrever seu nome - e o de sua gente - na história local. Antônio parecia ter nascido para o comércio, e como certa vez disse, Alberto, “se o velho português possuía um talento, sem dúvida, era para os negócios”.

Registros da Associação Comercial do Amazonas – ACA, preservam a informação de que no final do século XIX existia na antiga freguesia uma pequena colônia de portugueses (ou pelo menos de descendentes lusitanos) envolvidos em atividades comerciais. Quantos deles permaneceram? Não se sabe ao certo. Conta-se, no entanto, que os que por lá ficaram, por muito tempo preservaram suas heranças culturais.

As diversas vozes surgidas nos caminhos da pesquisa, confirmaram que, além da música que evocava a saudade dos patrícios, os negócios se constituíram traços relevantes na trajetória dos “Freire de Lima”. Um exemplo se dá pela fala de Dalila, ao informar, que depois dos seus avós terem se estabelecidos em Fonte Boa, suas atividades comerciais prosperaram, “mas, como tudo na vida, nada veio fácil”, destacou a tia querida, com a voz embargada:

Mãezinha nos contava, que quando eles chegaram a Fonte Boa, logo construíram uma pequena padaria onde trabalhavam paralelamente com a compra e venda de produtos extrativistas. Vô Antônio e vó Laurinda eram muito sábios, e ao perceberem o grande fluxo de pessoas que passavam por lá, acabaram por construiu uma hospedaria, um dos primeiros embriões da hotelaria local.

Maneco, em ressonância aos dizeres da irmã, completou que, com a ascensão dos negócios, seu avô logo buscou adquirir uma propriedade rural, mais precisamente um seringal. A ocasião era propícia, pois, a partir da segunda metade do século XIX a borracha passou a ser um produto de destaque na economia da Amazônia, no Brasil e no mundo. Lá já existiam alguns importantes seringais, dentre eles os que ficavam nas terras do Coronel João de Siqueira Cavalcanti, um político local oriundo de Milagres, Ceará, berço paterno da família Lins (de Fonte Boa).

Evidencia-se que ele não comprou a unidade produzindo em sua totalidade. O lugar que continha um riquíssimo plantel natural de seringueiras e outras espécies nobres de árvores, como a castanheira, foi adquirida em 1889. Aproveitando que o governo do Amazonas disponibilizava grandes lotes “devolutos” a quem tivesse interesse, e posses para adquiri-las, ingressou com um pedido de compra junto ao Estado. O lote requisitado possuía área extensa e contemplava enorme biodiversidade extrativa e vegetal. Feito isso, após o trâmite do processo, que incluía averiguar contestações cartoriais, foi designado à medição feito pelos agrimensores, e ao final emitida a escritura definitiva. É conhecimento de todos que esse patrimônio do Capitão Antônio Lopes de Lima, com seus frutíferos seringais, já não existe mais. Não em sua plenitude. O fenômeno das terras caídas que atingiu vorazmente a região no início dos anos de 1970, o tragou para o leito das águas, assim como fez com muitas outras propriedades.

Naqueles ermos tempos, a região era economicamente disputada, e os interesses dos grandes latifundiários, coronéis, comerciantes locais, bem como dos proprietários de armazéns de Manaus, se somavam aos impulsos nacionais e internacionais, ávidos por se apossar das riquezas existentes. Ademais, a localização geográfica em que a vila de Fonte Boa se situava era estratégica às rotas comerciais, fazendo com que a abundância dos produtos silvestres despertasse a cobiça dos olhares mais longínquos, inclusive, daqueles que moravam além-mar. Por lá havia também, de acordo com o amazonólogo Waldemar Batista de Salles, uma larga produção de castanha, balata, carne, manteiga e ovos de tartaruga, seguidos de tantos produtos regionais largamente exportados a diversos países da Europa. A produção de pirarucu e a “fartura” de outros pescados se avolumavam ao gigantesco tesouro extraído da região, que possuía (e ainda detém) centenas de lagos piscosos. Embora toda essa pompa, a vila continuava economicamente pobre. O surto do progresso que o Amazonas vivenciava, efetivamente passava a frente da cidade pela malha de seus rios, indo até Manaus, que se beneficiava de quase toda a riqueza extraída da região.

A indignação da população em geral, principalmente dos comerciantes e políticos locais, era constante. Reuniões foram feitas, cartas de protestos e moção de apelo ao governo eram encaminhadas às autoridades estabelecidas na capital no sentido de que, um quinhão dos lucros de suas riquezas extraídas, voltasse a vila em benefício da população. Na Capital, segundo o Livro de Atas datado de 1908, a Associação Comercial do Amazonas, a pedido dos comerciantes de Fonte Boa, saiu em defesa intransigente, se posicionando a favor de ações que pudesse promover melhor distribuição da riqueza produzida nos seringais, solicitando, que parte do capital gerado nas calhas dos rios retornasse aos municípios como forma de justiça social.

Neste quadro perfaz destacar a importância sociopolítica dos comerciantes locais. Vejamos, enquanto aguardavam os resultados das ações perante o governo do Estado, eles não ficaram na vila exercendo apenas ofícios relativos aos seus trabalhos, cuidando da família ou de outros interesses pessoais. Um exemplo disso é a participação da classe na criação de várias associações beneficentes em favor do vilarejo e do povo. É sabido que muitos deles, inclusive, Antônio, exerciam em Fonte Boa atividades políticas. Apesar disso era de suas ocupações comerciais, sem esperar do Estado ou da própria Superintendência local, que tiravam dos próprios bolsos parte generosa dos lucros para ser revestidos em caridade, ao povo e às instituições sociais do lugar.

Em notícia difundida no Jornal do Commercio, de 21/04/1899, houve um evento social acontecido em abril, na casa do Sr. Amadeu Martins Machado, Superintendente (tampão) recém-empossado, cujo objetivo “gigantesco e bastante nobre” era a de construir uma nova igreja a ser edificada a Rua 25 de Março, na estrada Ramalho Júnior. O Edital, de forma mais detalhada, composta por várias personalidades locais, dizia que a reunião:

[...] tinha por fim erigir-se uma igreja, nesta esperançosa Villa, sob a invocação de Nossa Senhora de Guadalupe – Padroeira deste logar. E, que confiando no sentido religioso deste povo, esperava a coadjuvação dos cidadãos presentes com o óbolo, conforme recursos de cada um.

A generosidade de Antônio não era apenas ofertada em Fonte Boa. Apesar de suas raízes terem se aprofundado nesta terra de bons frutos, onde a bondade lhe era peculiar, sendo um português-brasileiro caridoso, jamais deixou de participar das doações feitas quase que mensalmente a Real e Benemérita Sociedade Portuguesa Beneficente do Amazonas, comumente conhecido como Hospital Beneficente Portuguesa, bem como à Santa Casa de Misericórdia, duas instituições filantrópicas das mais importantes do Estado, inclusive, à época, referências no atendimento médico-hospitalar aos mais necessitados. Sobre o assunto quem prestou mais informações foi Clarice, cuja pele alva e olhos negros, não lhe negava a descendência luso-brasileira.

Ele e vó Laurinda sempre que vinham a Manaus faziam questão de ajudar as instituições de caridade, principalmente a Beneficente Portuguesa e o Hospital da Santa Casa de Misericórdia. Não sei quanto era, mas ajudava a prover essas instituições, assim como faziam outros portugueses daqui.

Enquanto conversávamos com a querida tia, a belíssima música “Retrovisor” interpretada pelo cearense Fagner, vinda de fora das janelas, nos fazia companhia. Dizia a canção: Vejo a manhã de sol entrando em casa / iluminando os gritos das crianças / os momentos mais bonitos na lembrança / não vão se acabar...

Na pausa lembrei Maneco da coincidência. Ele sorriu (meio que sem entender) e logo retomou a falar sobre o seu avô, suscitando ter sido um homem de “crédito na praça”, isto é, de boa reputação comercial, tanto em Manaus quanto no Pará”. Na capital se fez conhecido não só dos grandes aviadores, mas dos pequenos e médios comerciantes estabelecidos às ruas Miranda Leão, Marquês de Santa Cruz, e dos Andradas, logradouros que concentravam grande parte das firmas. A amizade, a boa praça e o prestígio político, são também referendados em uma pequena coluna do dia 12/01/1912, noticiada no Jornal do Commercio, à época, um dos maiores diários da cidade:

Passando por Manaus o nosso amigo Capitão Antônio Lopes de Lima, vindo de Fonte Boa. Sua estadia pela capital se dá a negócios, onde tem boa praça. Antes de retornar a sua terra, se reunirá com políticos locais para tratarem de assuntos do interesse daquela Villa do Solimões. A ele desejamos uma ótima estadia.

Com o seu desaparecimento, e os filhos migrados a Capital, fecharam-se as portas do comércio, e os seringais, como tantos outros se perderam na história, alguns tragados pelo rio, outros por terem retornado à “mãe mata”, ficando apenas as lembranças do tempo, uns faustos, outros inoportunos.

Continua...

LINS, Eylan Manoel da Silva. OS PIONEIROS: raízes da Família Lins no Município de Fonte Boa, 2023.

Eylan Lins
Enviado por Eylan Lins em 25/09/2023
Código do texto: T7893803
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