Belarmino Ferreira Lins (PARTE IV)

O DERRADEIRO ADEUS À VILA DE MILAGRES

Relações primogênitas, oportunidade ou amor proibido? Saber o real motivo da vinda de Belarmino para o Amazonas não importa mais. Aliás nunca importou. A vida sempre foi um desafio, uma grande aventura, e sempre será. O que realmente foi significante nisso tudo, é que meses depois ele veio para o Amazonas, lugar, com exceção do que ouvira de sua mãe, pouco sabia, nem sequer reunia noção da grandiosidade geográfica. É possível que a “data incerta” de sua partida deva ter ocorrida num dia ensolarado de muita fé e coragem. O que sabemos é que foi em meados do mês de novembro de 1906, e a dura despedida dos familiares e amigos foi algo que jamais esqueceu.

Maneco, uma das vozes a reviver as lembranças contadas por seu genitor, relatou que no alvoroço da despedida, ao deixar a querida vila, seu pai logo se juntou ao cortejo dos viajantes. Minutos depois, feito procissão, viu desaparecer entre poeira e lágrimas de saudade derramadas na estrada de barro, o lenço branco do último adeus acenado por sua mãe. Uma lembrança por demais cara, que por anos lhe rompeu o peito.

Ele, que não detinha noção da distância que separava o Ceará do Amazonas, jamais imaginou ser aquela a última vez que veria em vida sua mãe. A viagem iniciada em Milagres - localizada na região do Cariri Oriental, até Fortaleza, não foi tão simples assim. No instante não havia ferrovia que ligasse o Cariri à Capital, de tal maneira que o itinerário foi feito alternando entre montaria a cavalo e caminhada a pé. Assim, Belinho peregrinou cerca de 500 km de árido sertão acompanhado com outras centenas de retirantes. Enquanto caminhava lembrou-se do que ouvira antes a respeito de pretéritas diásporas cearenses, onde muitos sertanejos morreram, sendo a grande maioria crianças (quase sempre desnutridas e adoentadas) que não suportaram a distância de uma viagem feita quase sempre a pé, num calor escaldante, com pouca água e alimentos.

Após algumas semanas de viagem, conseguiu empreender seu primeiro êxito ao superar a fome, as moléstias, o medo dos mitos e das fábulas escabrosas que permeavam o pensamento social dos retirantes; o “coisa ruim” da estrada que roubava o fígado das pessoas, o mau cheiro exalado, que diziam ser dos defuntos deixados para trás por outras levas de viagem. Duras recordações.

Ao chegar à capital do Ceará, hospedou-se numa pequena pensão existente a área portuária. Com os documentos de viagem em mãos, segurando uma pequena mala, se dirigiu ao porto localizado na enseada do Mucuripe. Chegando ao cais da antiga ponte metálica, sua primeira emoção ao ver a imensidão do mar esverdeado, foi a de deslumbramento. Outro espanto se deu ao ver o enorme navio, o mesmo encouraçado de aço que o transportaria até Manaus.

Objetivando economizar os numerários que carregava no bolso, talvez por precaução, o jovem nordestino deixou de comprar a passagem que o irmão Lacordaire lhe orientara. Com o bilhete mais barato em mãos, logo percebeu a expressão “carimbada” com o seguinte dito: “TERCEIRA CLASSE”. Belinho não possuía consciência do que aquelas palavras escritas em letras garrafais significavam, mas, ao embarcar, descobriu ser o porão permanentemente quente e úmido que tanto caracterizou os paquetes do Lloyd Brasileiro. De prontidão, foi informado por um funcionário do navio, que ali viajavam os menos afortunados sem nenhum conforto. E era para lá que ele deveria procurar um vão para se acomodar. A partir daí não haveria outro jeito senão tomar as rédeas de um novo desafio. E assim o fez. Foram dias e noites difíceis, madrugadas agonizantes. Certa vez “seu Belinho” disse a filha Clarice, que o cheiro era horrível, e a alimentação era escassa, quase desumana. Homens, mulheres e crianças amontoados disputavam espaço entre as muitas cargas do navio e penico com fezes. As condições de higiene eram inexistentes. Cabisbaixo relembrou os amigos mortos no percurso da viagem, alguns pela desnutrição, outros por doenças e até por conflitos internos. Entretanto, o medo maior era o do naufrágio, pois, como ele, muitos dos que ali estavam não sabiam nadar. A possibilidade de sair do sertão seco e morrer afogado em alto-mar era o maior dos pesadelos.

No decorrer da viagem, para manter a mente sadia naquele ambiente confinado, ele, e os demais sertanejos jogavam baralho e participava de rodas de histórias, umas encorajadoras, outras nem tanto. Ao final da tarde a forte presença religiosa, postas em orações, lhe fazia diminuir as angústias e incertezas. E, assim, correram os dias.

Continua...

LINS, Eylan Manoel da Silva. OS PIONEIROS: raízes da Família Lins no Município de Fonte Boa, 2023

Eylan Lins
Enviado por Eylan Lins em 06/10/2023
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