Belarmino Ferreira Lins (PARTE VIII)

NOVOS FAMILIARES ORIUNDOS DO CEARÁ

Estabelecido há pouco mais de um ano em Fonte Boa, Belinho tomou a decisão de escrever aos familiares sobre as primeiras impressões e experiências vividas no Amazonas. Na carta, entre as muitas prosas, havia um trecho em que afirmava ser, a “vasta, verde e fértil região” um lugar de grandes oportunidades, e a vila em que morava, uma das muitas terras que florescia no vale Amazônico. Na mesma carta, aproveitou para convidar “os que desejassem aqui se estabelecer” a também vir para o Amazonas.

Lacordaire, que à época tocava a propriedade herdada de seu pai, e já havia se firmado em Milagres como comerciante, foi o primeiro a retorna agradecendo o convite, porém, recusando-o. Contudo, tempo depois, outras notícias deram conta de que a irmã Tereza, juntamente com o seu primo-esposo, Yoyôca acharam por bem aceitar o chamado, estando, inclusive, de malas prontas para seguirem viagem ao novo chão.

Após alguns meses, uma pequena caravana deixou a vila de Milagres em direção ao litoral de Fortaleza. Lá, os integrantes tomaram o navio rumo ao Norte, com destino ao Amazonas. Percorrendo semanas a fio, a mesma trajetória anteriormente feita por Belarmino, a comitiva dos aparentados venceu a primeira etapa, não tardando se estabelecer em Fonte Boa, ora administrada pelo Superintendente coronel Antônio Vieira Gualberto.

Quando o barco atracou as amarras no cais do pequeno porto, Belinho, que os aguardava ansiosamente, foi surpreendido ao ver saltar da prancha de desembarque, além da família de Tereza, o primo José Manoel de Albuquerque, acompanhado da esposa e filhos.

Maneco, ao recordar essa história, esclareceu que, após todo o alvoroço ocorrido em meio aos abraços de confraternização, não foi fácil acomodar todos os parentes no pequeno espaço reservado, “mas se deu um jeito, e como diria ‘mãezinha’, não haveria problema, pois onde come um, comem dois, comem dez e mais”.

Tempos depois, ocorreu um fato trágico, que embora tenha provocado irreparável perda, proveu a oportunidade do surgimento de uma nova história familiar. A selva que ambientava o trabalho e mantinha o sustento das famílias, também era portadora de muitas mazelas. Pragas, doenças e animais selvagens levaram a óbito milhares de trabalhadores dos seringais. Entre as muitas vítimas relacionadas a esses episódios fatídicos, estava o “Yoyôca”, que faleceu de “beribéri”, uma mazela caracterizada por parasitas e inchações. Assim, ficou viúva a (Têca), irmã mais velha de Belinho. À parte disso, com o passar do tempo, sabe-se que todos eles conseguiram se estabelecer e se firmar economicamente naquele chão de oportunidades.

Ao termino do luto, conforme ditavam as “regras morais e religiosas”, o Coronel João de Siqueira Cavalcanti - também viúvo – foi ao encontro do primo com o intento de relatar os sentimentos afetivos e as sua intenções por Tereza. Belinho, por vez, lhe disse que, se também fosse da vontade dela, aprovaria, caso contrário nada poderia fazer.

João de Siqueira Cavalcanti nasceu em 1861, em Milagres, Ceará. Bacharel em Direito, chegou ao Estado do Amazonas nos primeiros anos da última década do século XIX, se estabelecendo em Fonte Boa. Lá, recebeu a patente de Coronel da Guarda Nacional, desempenhado diversas atividades e funções, entre as quais, a de advogado, comerciante, seringalista e farmacêutico de “medicina prática”. No Jornal Gazeta do Norte, órgão Liberal, edição de 01 de julho de 1889, consta o seu nome, como membro do Partido Liberal em Milagres, assinando conjuntamente o Ato de Congratulação pela vitória de Antônio Pinto Nogueira Accioly na eleição senatorial.

No apanhado do tempo, o fato é que ele e a Tereza se casaram, surgindo dessa união, às raízes genealógicas dos “Lins de Siqueira Cavalcanti”, cuja geração iniciou com a Fatilda (Tida), Lauro, Octávio, Marita, Dionísia, Olavo, Arimatéia, Alba e o Lucio.

Sobre o evento, Lucinho, o derradeiro dos filhos, já maduro na idade, após visitar a cidade Natal de seus pais no início dos anos de 1980, escreveu uma crônica da qual extraímos o seguinte fragmento:

Minha velha, querida e saudosa, dona Teca, que em solteira assinava Tereza Ferreira Lins, nome que mudou para Tereza Lins de Siqueira Cavalcanti, ao se casar com meu inesquecível pai, Coronel João de Siqueira Cavalcanti. (ambos convolaram segundas núpcias).

Em outro momento, o primo cronista realça em artigo publicado no Jornal do Commercio, edição do dia 26/10/1989, que:

Em Fonte Boa, nossa terra natal, havia duas famílias entrelaçadas por elos inquebráveis de amor e sague: os Cavalcanti e os Lins. [...] Nossa genitora, dona Têca, casada com o velho coronel, era irmão do cacique daquela família consanguínea, o saudoso tio Belarmino Ferreira Lins, pai do conselheiro Decano do Tribunal de contas do Estado do Amazonas, Dr. Belarmino Ferreira Lins Filho, nosso querido primo-irmão.

Quanto ao José Manoel de Albuquerque, esse, se tornou em Fonte Boa, comerciante e político reputado. De igual feita, consta ter assumido vários cargos públicos, como o de 2º Suplente de Juiz municipal no biênio de 1912 a 1913. Nesse período - época em que havia na vila a praça coronel Furtado Belém e a rua Dr. Monteiro de Souza - também atuou como sacristão da igreja de Nossa Senhora de Guadalupe. Em 1924, sua esposa, Alice Paes de Albuquerque, assumiu a agência dos Correios situada, à Rua Floresta Bastos. No Relatório de Exposição ao Presidente da República, Getúlio Vargas, apresentado pelo Interventor Federal Álvaro Maia, anotou ter assumido em 1925 a Junta Militar local, e, de 1934 e 1939, o cargo de Escrivão Judiciário.

Sublinhasse que, enquanto político, chegou a ser Intendente Municipal junto com o padre João Baptista Parissier, na mesma eleição que elegeu o Coronel Siqueira Cavalcanti ao cargo de prefeito municipal. Contudo, acabou renunciando, conforme mensagem lida pelo Sr. Pedro de Alcântara Bacellar, governador do Estado, a 10 de julho de 1919, perante a Assembleia Legislativa na abertura da primeira sessão ordinária da décima legislatura:

De 1º de junho de 1918 a 31 de maio de 1919, verificou-se duas vagas de Superintendentes municipais: em S. Felippe, devido a renúncia do Dr. Álvaro de Albuquerque maranhão, e em Coary, pelo falecimento do coronel José Antônio de Mello. Para a primeira foi procedida eleição a 12 de outubro de 1918, marcada pelo Ato de 6 de setembro; e para a segunda, a 10 de dezembro, pelo Ato de 5 de novembro. Dentro de igual período, procedem-se as eleições para preenchimento de vaga de intendente: Em Fonte Boa, pela renúncia do mandato do Sr. José Manoel de Albuquerque, a 20 de maio de 1919, marcada pela portaria de 24 de abril.

Sobre o ocorrido, o Jornal do Commercio, edição de 27/04/1919, destacou ter o governo do Estado marcado para o dia 25 de maio do mesmo ano uma nova eleição, objetivando ocupar a vaga de Intendente Municipal deixada por sua renúncia, cuja causa, provavelmente política, não conseguimos averiguar.

Ao final dessa história, Eurídice ressaltou a importância de seu pai como agente social no processo de fixação e permanência de alguns de seus familiares naquele lugar, que tempos atrás, também o recebera de braços abertos:

Papai foi o primeiro da família Lins lá de Milagres a chegar em Fonte Boa. E foi a convite dele, que muitos outros vieram para cá. Ele foi um agente social importante nessa história. Muitas gerações surgiram disso, por ele ter ajudado alguns parentes a vir para o Amazonas, inclusive o Belo Gomes (pai do Atila) que por aqui chegou nos anos de 1930 com o tio Manoel.

No decorrer de todo esse período, abrindo-se dos quartos escuros das dificuldades, Belinho viu surgir no horizonte as oportunidades que fizeram florescer sua história. Durante esse processo, enquanto um e outro parente chegavam a esta terra de bons frutos, continuou a intensa rotina de trabalhando, não tardando ascender aos seus propósitos, tanto pessoal quanto profissional.

Sua primeira ocupação em Fonte Boa ocorreu no setor administrativo das empresas do Cel. Siqueira Cavalcanti. Registros transmitidos pela oralidade revelaram que ele, religiosamente, todos os meses, do ordenado que recebia, retirava parte - como uma espécie de mesada - para mandar a mãe lá no Ceará. Com o que sobrava, esforçava-se para economizar, mesmo que, embora as vezes, o saldo fosse apenas algumas moedas. Aliás, para Maneco duas delas chamavam a atenção de seu pai, a de 20 e a de 40 Réis, que traziam nos reversos as seguintes inscrições incentivadoras: “VINTÉM POUPADO, VINTÉM GANHO” e “A ECONOMIA FAZ A PROSPERIDADE”.

Vejamos no próximo bloco, com mais detalhes, alguns desses frutos colhidos.

Continua....

Eylan Lins
Enviado por Eylan Lins em 10/10/2023
Código do texto: T7905252
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