Belarmino Ferreira Lins (PARTE IX)

O TRABALHO VENCE TUDO

Eurípedes costumava inserir em algumas de suas crônicas semanais publicadas aos domingos num jornal de grande circulação de Manaus, uma epígrafe em latim, interessante e reflexiva: “Labor omnia vincit”. A frase popularizada por Virgílio, em sua “Geórgicas” aparece na forma de “Labor omnia vincit improbus, et duris urgens in rebus egestas”, cujo significado é: “toda dificuldade é vencida pelo trabalho árduo e pressão da urgente necessidade”. Lançando mão do que diz Paulo Sérgio de Vasconcelos, o trecho comumente utilizado pelo saudoso professor, literalmente quer dizer, “o trabalho vence tudo”, ou, em sentido figurado, “com esforço, pode-se conseguir qualquer coisa”, ou mesmo “o trabalho compensa”.

É provável que a ressignificação dessas frases possa também descrever, como seu pai, Belarmino, com muita perseverança e trabalho árduo, conseguiu abater as dificuldades encontradas no meio do caminho, e seguir firme na vida. Porém, se de antemão perguntarem se recompensou todos os esforços, sugerimos carinhosa atenção ao trecho do poema “Mar Português”, de Fenando Pessoa, que diz: “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”.

Maneco, entre as muitas vozes entrelaçadas, foi quem nos trouxe as primeiras informações que ajudaram a compor a extensa pesquisa documental sobre o tema. Disse meu saudoso pai:

O que posso dizer é que seu avô exerceu em Fonte Boa diversos cargos públicos de relevância. Além de comerciante, grande proprietário de terras e seringalista, ele foi também, juiz, promotor, coletor de renda, delegado e político. Se você verificar em suas pesquisas poderá ver que ele seguiu os mesmos passos do pai dele lá em Milagres. Até os cargos e funções por eles exercidos distintamente se confundem. Considerando sua história, papai foi um abençoado.

Acercado de razão, determinados cargos desempenhados por seu pai ocorreram por intermédio da suplência, isto é, em substituição, pois não era bacharel em Direito. Dentre eles, o de Juiz e Promotor, cuja atuação, conforme descrito no Relatório Anual do Governo do Estado do Amazonas, o evidenciou por diversas vezes em “virtude do esmero e bom desempenho de suas funções”.

A época, as nomeações do governo estadual, geralmente vinham a público por intermédio de grandes veículos de comunicação impresso, a exemplo do Jornal do Commercio, edição de 08/05/1912, o qual destaca sua nomeação pelo Governo do Estado, no cargo de adjunto de Promotor Público na comarca de Tefé, em substituição do senhor Manoel Bezerra de Almeida:

Da secretaria do palácio do governo foi comunicado ao Inspector do Thesouro haver sido exonerado do cargo de adjunto do promotor público, da comarca de Teffé, o cidadão Manoel Bezerra de Menezes, sendo nomeado para substitui-lo o cidadão Bellarmino Ferreira Lins.

Na ocasião, Rodolpho Índio de Maués, que despontava ser um próspero comerciante local, exercia em Fonte Boa, o cargo de Secretário Municipal. Infelizmente, ele, que já havia alçado o título de Coronel, teve um final trágico em 1917, ao ser assassinado na Capital, num crime que chocou todo o Estado. A quem interessar melhor entender esse fatídico episódio recomendamos a Dissertação de Mestrado em História, de Simara Alves Ferreira, titulada “A notícia ganha uma nova face: Fotografia de Imprensa em Manaus (1880 – 1920), disponível na internet.

Em 30 de outubro de 1913, Belinho foi nomeado para o cargo de Delegado da Vila, ficando no exercício até 1918, contando como suplente o Sr. Olegário Freire da Costa. Ser Delegado por lá, assim como em grande parte das vilas do interior do Amazonas, não era algo fácil. O contexto estava sempre laureado de brigas políticas, crimes diversos, e serviços burocráticos que demandavam tempo, paciência e altivez.

De acordo com o Relatório do Regimento Militar do Amazonas ao Governo Estadual de 1934, o olhar humanista sobre os problemas de Fonte Boa, lhe pautou a chancela de homem justo, recebendo por isso, dos órgãos oficiais, várias moções de aplausos por seu desempenho, em especial nos casos mais difíceis.

Em 1919, recebeu o comunicado de que deveria se apresentar ao serviço do Exército, perante o 45º Batalhão de Caçadores, para ser incorporado na respectiva unidade da vila. Aos 30 anos de idade, destacou-se ao comando da unidade para cumprimento das formalidades. Contudo, não residindo na Capital, e não havendo guerra, findou no escalão da reserva. Ele, que tinha família formada, era funcionário público e comerciante local, não fugiu de suas responsabilidades à pátria, assim como fez também seu pai lá no Ceará.

Entre 1921 e 1926, retornou para a administração policial, como Delegado da Vila, exercendo conjuntamente a função de Coletor Estadual. Consta também ter sido nomeado em 1921, ao cargo de “Delegado da Exposição do Centenário”, objetivando representar o município de Fonte Boa na Comissão Regional, então responsável por avaliar e apresentar os produtos da cidade no evento que ocorreria em Manaus. Além dele, a Comissão era composta pelo Cel. Siqueira Cavalcanti, José Manoel de Albuquerque, Candido Alfredo de Vasconcelos, e João Correa de Lima.

No início de 1927, deixou de exercer a função de Delegado de Polícia da Vila, para atuar, exclusivamente, como Coletor de Rendas. Nesse período tivemos a oportunidade de visualizar alguns aspectos culturais e comerciais da vila a partir do que escreveu Lucio Cavalcanti, ao relembrar seu pai, João de Siqueira Cavalcanti:

O velho coronel Siqueira, nosso inolvidável pai, deputado estadual, vestia fraque negro, calças listradas, colete, cartola e empunhava uma luzida bengala de junco creme-claro, de castão de prata. [...] Lembramo-nos de que, em Fonte Boa, em 1928, nosso pai fazia embarques de tartarugas, (setecentas e mais delas, em cada remessa), tiradas dos currais de nosso imenso quintal. Os quelônios eram apanhados pelos caboclos, a arco e flexa, jaticá ou camorim, (no meio do rio, ou nos lagos) ou virados nos tabuleiros, as centenas deles.

Em outro momento, entre os anos de 1934 e 1942, “o seu Belinho” ocupou, ininterruptamente, o cargo de adjunto de Promotor, cujo exercício findou com sua partida prematura ocorrida nesse último ano, uma triste história que falaremos mais adiante.

Vale ressaltar que boa parte dos anos de 1940, quando se vivenciava os tempos da ditadura de Vargas, o cargo de Coletor de Rendas, era exercido pelo sr. Flávio Ferreira Lopes, esposo da dona Esther Ferreira Lopes, uma das poucas mulheres a ocupar o cargo de agente dos Correios daquela vila. Dentre os filhos desse cintilante casal, distingue-se o Desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas, o fonteboense José de Jesus Ferreira Lopes, que chegou a alçar, em 1979, o mais alto cargo, o de presidente. José de Jesus, era tio do também magistrado, Flávio Pascarelli, primo de um outro togado, o Jorge Manoel Lopes Lins, filho do saudoso Maneco com a primeira esposa, Maria Isabel (1927-2022), por vez, filha do citado Coletor de Rendas. Dona Isabel, que foi guerreira, mulher de muitas virtudes - uma flor matizada - deixou por aqui, além do seu expressivo perfume, um agigantado legado de exemplos de vida e dedicação a família. A essa digna e amável senhora, mãe do Bosco, do Jorge, da Ester, do Anchieta, da Isabel e da Eneida, como diz o canto do poeta fonteboense Leonardo Missisipi de Souza, “deixamos o nosso contemplar”.

Sobre “seu Flávio, (foto acima), cuja opinião sempre foi muito respeitada”, assim escreveu o Conselheiro do Tribunal de Contas, Lyzandro Garcia Gomes, filho do ex-prefeito de Fonte Boa, o sr. Barnabé Gomes:

... Flávio Ferreira Lopes, pai do meu muito querido desembargador José de Jesus Ferreira Lopes. Seu Flávio, por força de sua conduta exemplar, era uma das figuras mais respeitadas da cidade. Também a família Lins, chefiada por Belarmino Lins, já falecido, e que em Manaus compôs o colegiado do nosso Tribunal de Contas, sendo um dos mais festejados presidentes do órgão.

A título de esclarecimento (pois são muitos os Belarmino nessa história,) frisamos que o citado pelo magistrado-cronista, é o Belarmino Filho, ou Belo, como carinhosamente era conhecido, e que foi também, prefeito de Fonte Boa, deputado estadual e Conselheiro do Tribunal de Conta do Estado do Amazonas.

Ainda que tenha exercido diversos cargos e funções públicas, Belarmino (o pai) jamais ousou, em nenhum momento, renunciar as atividades comerciais. Nem mesmo quando a depressão econômica provocada pela derrocada da borracha, assolou a região. Contudo, Eurípedes informou, que seu genitor enfrentou, e só conseguiu vencer as numerosas dificuldades ocorridas nas unidades produtivas dos seus seringais, por ter sido, “além de grande comerciante, um empreendedor nato”.

Quando explodiu o fogo da Segunda Guerra Mundial, objetivando sobrepor a crise, recorreu ao antigo Banco da Borracha (atual BASA), e lá pleiteou um financiamento para fomentar o seringal “Cuxupina”. Com o recurso em caixa pôde incrementar a produtividade, gerando renda aos trabalhadores e lucro a empresa.

Maneco, informou que seu pai estava sempre ocupado. Só aos domingos costumava repousar em sua rede, e depois de descansar pegava o seu clarinete e começava a tocar, trazendo ao ambiente da casa a sonoridade de seus talentos. O saudoso Manoel Ferreira Lins também nos trouxe de volta o seguinte momento:

Seu avô, muito cedo compreendeu que o analfabeto estava fadado a trabalhar duramente e a sobreviver sem maiores oportunidades. Por isso investiu na educação dos filhos. Ele que tinha apenas o ginasial, bem sabia que os estudos sempre foram instrumentos de libertação e transformação.

Do mesmo modo, na última visita feita à professora Dalila, em sua residência na Cachoeirinha, também vi surgir de sua expressão um sentimento de orgulho e alegria, quando as lembranças deram novamente conta das memórias de seu genitor. Disse, ela: “papai foi um homem que nunca se curvou à prepotência dos fortes, nem admitia a desonra, e principalmente, jamais compactuou com a mentira”.

E assim foi até seu último suspiro, um grande comerciante, empreendedor laborioso e bem-quisto.

LINS, Eylan Manoel da Silva. OS PIONEIROS: raízes da Família Lins no Município de Fonte Boa, 2023

Eylan Lins
Enviado por Eylan Lins em 11/10/2023
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