Carta de Neto - Avó Mariquita

Boa noite, minha vó.

Hoje me peguei a lembrar da senhora como quem sente a vida que um dia foi passar como um filme cheio de lembranças.
Não é só saudade que marca essa minha memória, mas uma sensação que floresce como aquelas florinhas que a senhora tinha em seu quintal.
Aquele café forte que a senhora fazia com tanta arte, ainda posso sentir o gosto. E eu me pergunto: saudade? Não sei dizer ao certo, o que posso de fato relatar é essa forma como o peito enche, o suspirar lento e esse olhar mais que forte para o céu, buscando o brilho da lua.
Ainda vejo com os olhos da mente a senhora naquele sofá, enquanto eu segurava suas mãos que possuiam as marcas ferozes do tempo. A estranheza de tudo isso é que às vezes me pego esquecido de que a senhora partiu como quem abre realmente portas celestiais e me pego acreditando que posso ir até sua casa. Não posso mais. Sabe, vó, eu sempre achei a senhora Nossa Senhora. Eu só não sabia que a senhora sabia era demais e que muitos não sabiam o quanto sabia a senhora. O que muitos sabiam era o mesmo que eu sabia e isso era nada. Mas o mais importante de tudo isso é poder lembrar de tanta coisa que a senhora me contou. Puxa, muita coisa.
Eu agradeço a senhora por ter me levado à pré-escola quando tinha 6 anos de idade. Eu agradeço a energia de sua alma por tanto amor e carinho.
Por isso que hoje quando me peguei a olhar para o céu, eu senti sua falta por saber que quis esquecer e fazer-me de esquecido. Na verdade me conforta muito imaginar sua eternidade, minha vó. Só assim haverá reencontro. Numa terra de Deus cercado por muitas moradas.

Fique com Deus eternamente...