[Ainda os Paraísos Perdidos]

[Não há outros paraísos senão os paraísos perdidos” — Jorge Luis Borges, em A Posse do Ontem, Livro III, Obras Completas Ed. Globo ]

Escrevo por que há um belo “espaço de escrita” entre mim e você. E enquanto escrevo, penso que as palavras precisam sempre criar pernas, ou melhor, asas, para que eu sinta que elas têm alguma vida, senão, elas morrem presas na minha solidão. Pois, como li algures, as palavras que a gente escreve precisam ser lidas por alguém para ter “autonomia”, para ficarem independentes do autor. É... penso... é mesmo bom, portanto, saber-se lido, saber que as palavras não caíram no vazio, mas ganharam vida, fizeram um rebuliço em outra pessoa.

Dos paraísos: voltar a nossa terra natal é o mesmo que voltar ao passado — então, qual o sentido desta volta? Sofrer com as mudanças para pior e buscar os paraísos que ainda existem? Falando assim, simplesmente, talvez queremos dizer que alguma coisa prazenteira foi preservada — será? Sinto uma tristeza funda ao me lembrar de Borges — os paraísos que existem [ou existiram?] são apenas os que perdemos! Será que todos perdemos paraísos? E para buscar o paraíso — será necessário ter esperança... alguma esperança?

Ter esperança na vida — corto a frase aqui — e repico: não faz sentido ter esperança, não é sensato ter esperança; mas, uma coisa eu aprendi nesta minha caminhada: é preciso agir sempre, ter projetos para curto, médio e longo prazo! E ter projetos não é o mesmo que ter esperanças — é apenas ter rumos, cursos e modos de ação — nada mais óbvio... ter projetos: é arma que tenho contra o tédio! A palavra “esperança” me dá uma certa algia... uma dor fininha... coisa assim, de flores mortas, talvez. Sim, é isto: “esperança” me lembra flores mortas; enterros, tombos fatais; por que será? Toda vez que falo essa palavra com mais vagar, vejo rosas brancas, dálias, margaridas, murchando... morrendo, passando além do ponto em que a água as traria de volta à vida. Falar em “esperança” é o vezo danado que temos de esquecer a nossa finitude — será? É, pode ser; mas também não é, pode não ser!

Se nos sentimos como anjos caídos de algum paraíso, isto é, se estamos “cansados de ficar sem carinho, sem afeto, cansados de mal-entendidos, cansados de acreditar, de sentir dor” — eu vou longe, e arrisco perguntar: não seria este cansaço, esta carência, o próprio existir, ou o seu fundamento? E assim sendo, haveria algo que nos possa salvar de existir, salvar da existência?! Pergunto sem pretender (ter “esperança” de) instilar mudanças em alguém ou em mim, pois aprendi que os humanos, somos assim: mais a gente fala e critica, mais pessoas continuam a fazer o que sempre fizeram!

Mas, se antes existiam paraísos e foram perdidos, onde estavam, e onde estarão agora? Antes da agonia, isto é, na duração do instante, assim como na duração de um verso? Sim, pois aí está o triunfo sobre a dor, o esquecer para viver à frente. Na inconcretude do que seja “duração”, há a subversão do real, há o paraíso do instante: a fruição plena e simples do átimo inextenso em que o tempo é gelatinoso, se colapsa, e a gente se entrega sem urdir esperanças, apenas se entrega... e goza o que há para ser gozado! A simetria se aplica: também se pode dizer o instante do paraíso!

Viver é viver o instante — ou não? Perigoso afirmar, perigoso definir — definir lembra dogmatismo, e o dogmatismo, é a prisão do espírito. Melhor é ser solto, livre para ter outra opinião, melhor é ter as sensíveis terminações nervosas soltas, uivantes sobre a teia do mundo, captantes, desejantes... ou não? Ou será que isto também engendra sofrimentos? Engendra, com certeza, um querer mais... mais... sem parar de querer, sem parar de gozar, e sem perguntar quando acaba, e sabendo que só acaba quando a exaustão adormece o corpo quase exangue de... tanto gozar! Com o gozo, a gente se recriança, e pune o sofrimento que nos maltrata, a gente se vinga dele! Será verdade que o gozo é uma maneira de tirar a forra contra o absurdo da vida? Nossa... quantas palavras a gente não fabrica para lustrar a própria ignorância... sei nada não!!

É... mas nada é fácil mesmo; os paraísos vigem em mundos distantes... aquela pessoa de quem eu gosto, está longe, mora noutra montanha separada da minha, ou então, surge de outra brecha do tempo, e não “faz roda de tempo” com o meu tempo — exceto naqueles instantes, e só naqueles instantes — naqueles instantes em que, “dentro da cabeça, tudo é mais claro, mais suave, e irônico” — naqueles instantes, a gente se paraísa! Paraisar é isto: criar, a dois o instante inextenso da subversão do real, da fruição inefável do prazer! Então, é isto: às vezes, tudo se ilumina; o espanto de existir é um clarão nas vistas, o fulgor rompe a angústia, e o absurdo do vazio nos deixa, isto é, nos deixa soltos, livres para gozar o paraíso cavado a custo... A ironia, a suave ironia, é a nossa tábua de salvação, dizem. Eu gosto de aproximar, de leve, bem de leve, as palavras “suave”, “irônico”, “ironia” — abro um sorriso ao escrever isto — um sorriso suavemente irônico, de quem sabe pouco ou quase desta vida, mas ainda se recriança com as emoções que o cativam!

Pergunto: quem é que nunca perdeu paraísos? Nem um assim, pequenino, curtinho, de um breve instante?! Pois eu perdi um que gostaria de achar novamente: aquele, daquele dia em que... sabe? Quem sabe se, para viver, ou para não enlouquecer de vez, a gente não tem de se contentar apenas com os "pequenos paraísos" que a gente vai criando, a cada instante? Não será isto o cerne do viver sem esperanças? Não será isto o golpe fatal em todas as ilusões?

Olha só: neste exato instante em que concluo estas linhas, estou já com um pé fora deste paraíso aqui, feito daquele nosso “espaço de escrita” em que eu estive com você, com sua presença em mim, com a idéia de você em mim, com a memoração de sua voz, de sua imagem... e saio contrariado, viu? Pois eu adoro paraisar com você!

[Penas do Desterro, 26 de julho de 2008]