Um ano em Pereirópolis XXI - "Dia dos Pais"

Preferi não falar muito nisso hoje, porque é um dia engraçado, que não me transmite – a mim, pelo menos – a mesma honestidade histórica de outros dias, como o Carnaval, a Páscoa ou o Samhain. Mas minha filha, Beatriz, mandou-me uma mensagem muito bonita, que eu transcrevo aqui:

“Seu Horácio

Tu sabe o que eu penso sobre a palavra “orgulho”, não sabe? Mas esses dias, me peguei pensando: mesmo com essa cisma com a palavra em si, eu devo ou não sentir orgulho de você? Afinal, os filhos devem esse tipo de coisa aos pais e tudo mais, e apesar de tudo o que já conversamos sobre isso, não pude evitar o questionamento. Para tentar responder, fiz a mesma pergunta a algumas pessoas que o conhecem bem.

O primeiro foi o teu compadre, Padrinho Ernesto. Daquele jeitão sorumbático dele, o padrinho disse mais ou menos assim: “Não. É orgulho demais numa família só. Tu deve é se sentir muito feliz, e muito agradecida a Deus pelo pai que tem. Mas orgulho... aí já é demais! Deixa que ele fique por aí se gabando, pra cima e para baixo, que é pai da Professora Doutora Beatriz Ritter, que já tá de bom tamanho.” E riu. Quer dizer, eu acho. O padrinho ri do jeito dele.

Depois, como não podia deixar, para o Seu Figueira, que te conhece desde sempre. Ele disse assim: “Mas bah, guria! E quem não ia se orgulhar?”. E deslanchou a contar as histórias do tempo que vocês eram guris, e sempre insistindo que o senhor é bem mais velho que ele.

Pra confirmar minha indecisão, resolvi perguntar para o maior dos teus admiradores, ou “o puxa-saco do vô” como diz a Fernanda: teu genro querido. O Augusto nem respondeu direito, enchendo os olhos d’água, e saiu de fininho. Não é um amor?

Achei que era muita opinião masculina; procurei algumas das mulheres que te rodeiam – e nem quis perguntar à Fernanda, porque essa não conta: disputa com o pai dela a presidência do teu fã-clube.

O que me respondeu a Dona Mercedes resume bem o que disseram as outras - como a Eloá, a Tânia, e as "três comadres": a Rafaela, a Marta e a Cássia. Naqueles olhos enormes da Mercedita eu vi um brilho diferente. Ela me olhou e disse, com aquele delicioso sotaque andino: “Eu só tive filhos homens, e a relação de pais e filhos homens é muito estranha a nós. Mas as filhas mulheres admiram homens parecidos com os pais. E o teu pai lembra-me mucho mi papa.” Sabe que, às vezes, eu penso se a mãe não tinha razão em ter ciúmes da Mercedita?

Outro dia, quando eu nem estava mais pensando nisso, fui ao Mercadão e, por acaso, encontrei a Lidiane, aquela guria que trabalhava na loja da Jandira, com o maridinho Robson, filho do Seu Olegário. Ela tá gravidinha, coisa mais linda, quase ganhando pelo visto. Ela pegou no meu braço e tivemos essa conversa, quase exatamente nesses termos:

— Oi. Você é a professora Bia, filha do Seu Horácio, né?

— Oi. Sou sim.

— Então, se você puder, mas só se você puder, diga para ele aceitar o nosso convite para ser padrinho do nenê. Seu pai é um anjo de pessoa. Ele, sem nem me conhecer, me acudiu na rua quando eu desmaiei, e ia me machucar feio se ele não estivesse passando. Me levou para o posto de saúde, ficou lá comigo até eu ser atendida, ligou pra minha mãe, e ainda liga seguido para saber como eu estou. O Robson adora ele, e queria até dar o nome Horácio para o nenê.

Aí, Seu Horácio, a ficha caiu – sim, nós ainda somos do tempo das fichas, né? Orgulho é uma palavra. Eu não sei se o que eu sinto pelo senhor é ou não o que essa palavra diz. Mas o que eu sei é que tu é um cara tri legal. E ser tua filha é muito, muito gratificante.

Ah, e a propósito: devia ter me contado esse episódio da mocinha grávida. E devia aceitar o convite.

Bom, pai. Mesmo sabendo tua opinião sobre essas datas, eu quero desejar um feliz Dia dos Pais.

Tua filhinha

Beatriz”

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Nota do Volmar: para o meu pai, o Volmar Velho, um feliz dia dos pais meio atrasado.