Nudez

Certa vez, assisti a um espetáculo onde um dos atores usava um camisolão branco, e uma moldura que carregava em torno do rosto. As cenas passavam-se dentro de um hospício, e ele representava um marido traído que enlouquecera, momento este representado em um epílogo em pantomima. A figura não causaria a repulsa necessária ao expectador, não fosse um detalhe, discreto, porém impossível de não ser percebido: havia uma fenda, ou melhor, um rasgão no camisolão que deixava o pênis do ator a mostra. O recado estava dado. O homem sentia-se exposto e humilhado, humana e sexualmente.

No mesmo espetáculo, havia uma cena onde as mulheres tomavam banho de sol e deixavam os seios nus. O que provocava uma compulsão masturbatória em outro “louco”, que rasgava sua fralda, em frenesi.

Sim, como aspirante à boa entendedora das artes cênicas, identifiquei as expressões do diretor ali.

O que me chocou, na verdade, foi a opinião do então diretor geral da Secretaria de Cultura do meu município: “Por que aquele homem ficou o tempo todo de pau de fora, e as guriazinhas, bem pouco tempo com os peitos...” Puxa! Isto é coisa que uma pessoa que desempenhe um cargo destes diga? Pior...pense (se é que pensa uma criatura destas pensa...)?

É aí que chego ao ponto onde queria. Um ator global famoso está movimentando mesas de discussões no país inteiro falando sobre a exploração do corpo nu do ator como algo apelativo. Um diretor de teatro gaúcho, identificado como dionísico por aqui, “sentou o sarrafo” na opinião do colega.

Eu própria já estive nesta situação. Nunca fui explorada, pois o teatro, por ser uma manifestação que nem sempre chega às massas, não precisa tanto de apelação comercial quanto a televisão. Porém já tive sim que fazer cenas tórridas, já tive sim que trocar de roupa em frente ao público, já tive sim que trabalhar com intimismo, e já tive sim que conquistar expectadores. Pouco tempo atrás, uma personagem chamada Luísa me deu muito trabalho. Ela transpirava sensualidade, e eu não. Então. Veio o teste derradeiro: se tinha que dar vida para ela, era meu dever encarná-la. Coloquei a roupa mais longa que tinha no roupeiro. Calça comprida, blusa de gola alta. E saí para a rua. Enquanto pelo menos nove entre dez homens que passassem por mim não me olhassem com malícia, não voltaria para casa. Naquela tarde aprendi a ser Luísa. E aprendi também que não precisava estar nua para ser desejada pelo público, como era o objetivo do contexto. Um olhar às vezes basta. Por que sexo explícito na novela das oito?

Se não mostrarmos para as novas gerações que a sutileza de uma atração pode ser maior do que um fio dental entre as nádegas, vamos continuar vivendo neste mundo em que pais estão em pânico com o futuro de suas pequenas filhas, que rebolam até o chão como gente grande, mas não conseguem entender a sexualização prematura que está latente nestes costumes.

Ufa! Ainda bem que mudei de profissão... embora esteja mais nua do que nunca...pelo menos por aqui, enquanto escrevo.

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Solidária.

Caroline Garcia Cruz
Enviado por Caroline Garcia Cruz em 19/10/2008
Reeditado em 20/10/2008
Código do texto: T1236407
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