DESABAFOS DE UMA MÃE

Filha,

Já escrevi diversas cartas, mas no final das contas nunca tive coragem de remetê-las. Imagino que provavelmente você ainda esteja muito magoada com tudo que aconteceu. E eu tenho medo que as minhas palavras, meu suplico, meu pedido de perdão não sejam suficientes para fechar as feridas. (E com certeza não serão). Mas te peço, como último favor, que ao menos leia esta carta até o final.

A sociedade em que vivemos tem a péssima mania de colocar as mães acima do bem e do mal, como se fossem seres divinos. Mas as mães também odeiam, erram, e sofrem de egoísmo, como no meu caso. Você ainda será mãe e perceberá que não existe esta fantasia de que as mulheres já nascem prontas para serem mães. A maternidade é um exercício diário que só se aperfeiçoa ao longo do tempo. A gente a aprende a ser mãe, assim como aprende a ser filho.

A lembrança que carrego comigo é de quando você tinha uns quatro aninhos. Lembro-me que fui até o portão do seu antigo prédio; aquele de Laranjeiras. Fiquei por lá, uns 20 minutos. Pude observar você brincando no parquinho. Vi que aquela menininha, a minha filha, era muito quietinha. Você não corria tanta quanto às outras crianças. Era tranqüila e com um olhar meigo e carinhoso. Um olhar que nunca mais vi igual. Depois disso viajei para a Holanda e nunca mais te vi, pelo menos não com os olhos daqui.

Mesmo longe, nesses 18 anos, sempre pensei em você. Algumas vezes liguei pro seu pai em busca de notícias suas. Ele sempre fez questão de me manter afatada e reforçar, que a minha ausência na vida de vocês era o melhor pra todos. E por algum tempo acreditei nesta versão, mas hoje, mais madura, acredito que a ausência de uma mãe nunca será o melhor para uma filha, ainda que esta mãe seja eu.

Não sei o que o André e a esposa dele contaram sobre mim. Mas pela sua indiferença, imagino que não tenha uma boa imagem a meu respeito. Contudo, não ouso ter a pretensão de achar que você possa ver uma mulher que vende o corpo como uma candidata a boa mãe. Nada que eu fale pode mudar o que você sente, mas nada que eu faça com o meu corpo vai mudar o fato de eu ser mãe, de ser a sua mãe.

Quero uma chance pra conversamos.Te contar coisas que não podem ser ditas numa carta. Abro mão de todo o dinheiro e conforto que consegui aqui neste país. Largo tudo, eu largo todos. Volto pro Brasil agora mesmo se você disser que sim. Se você disser sim ao meu pedido de ser sua mãe. Pense nessa chance para nós duas. Fique com Deus e saiba que te amo.

Sua mãe

Sintia Lira
Enviado por Sintia Lira em 20/11/2008
Reeditado em 20/03/2009
Código do texto: T1293987
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