SE EU PUDESSE TE ESCREVER...

Rio de Janeiro, Jacarepaguá, 11 Mai 2008.

Querida mãezinha,

É Dia das Mães. Bem que eu gostaria de escrever-te uma carta. Se eu pudesse fazê-lo, trataria contigo de mil assuntos, mas primeira-

mente reclamaria da tua ausência. Desde o meu pequeno berço, ainda um bebê, a primeira coisa que aprendi na vida foi exigir tua presença física junto de mim. Era só chorar um pouco mais alto e tu já vinhas com aquela chupeta caramelada ou me embalavas docemente no teu colo, até que eu sossegasse e voltasse a dormir. Na verdade, antes que eu nascesse já povoava teus sonhos e antes que eu viesse à luz já consumia teus cuidados. Assim, quando nasci, um completo enxoval me esperava, todo ele feito à mão, de roupinhas minúsculas trabalhadas por ti, desde o meu babador aos sapatinhos de lã. Foste, deste modo, minha primeira serviçal, minha ouvinte mais atenta, minha confidente mais leal, a crítica mais amena dos meus erros e a minha mais zeloza intercessora. Por isso, se eu te escrevesse hoje, não deixaria faltar minha palavra de agradecimento pelo teu convívio tão gostoso e edificante!...

Se eu pudesse te escrever, também haveria de dizer-te o quanto te amo. É claro que já o disse, mas nunca com tanto ardor como o faria agora, pois só depois do teu adeus pude perceber o quanto te valorizava de fato e até que ponto dependia de ti. Eu fui - bem reconheço - um dependente importuno, pois não me satisfiz apenas em habitar tua casa e teus pensamentos, mas também habitei as tuas entranhas. É terrível e maravilhoso, mãezinha, pensar que nós dois já fomos um; que o teu sangue - meu primeiro alimento -

já correu em minhas veias e que fiz do teu ventre o meu primeiro escudo. Ali, naquele cadinho vivo, Deus fundia meu corpo e meu espírito, conforme tu mesma me ensinaste, enquanto lias para mim o Salmo 139. Esses preciosos ensinamentos inculquei na mente das tuas netas e constituem inesquecível herança do teu amor. Reconheço-me em grande débito para contigo, débito que, aliás, é comum a todos os filhos, com relação às mães. É um débito de vida: alguns roubam-lhes as vidas no próprio processo do parto, enquanto os demais, de algum modo, contribuem para abreviar-lhes os dias, seja pela carga de trabalho que impõem a elas, seja pelo teor de insensatez, ingratidão e esquecimento que freqüentemente se somam a essa pesada carga. Eu, pelo menos, mamãe, estou consciente do trabalho que te dei e não me esqueci do meu débito de amor para contigo. Assim, se eu pudesse te escrever, haveria de ressaltá-lo. E, na impossibilidade de saldá-lo por completo, minimiza-lo-ia um pouquinho, com sinceras expressões de amor! Mamãe, eu te amo. Muito mesmo, mãezinha.!

Por fim, se eu pudesse te escrever no Dia da Mães, eu diria que não consigo parar de chorar, como se a orfandade me houvesse alcançado hoje, e não há 50 anos atrás. Eu dobraria estes papéis molhados e os enviaria pelo correio. Mas... não há correios no Céu!...

Contudo, certamente haveria um anjo do Senhor, bem pertinho de mim, enviado para o meu consolo. Então, só me restaria pedir a esse anjo - se não fosse um insulto à sua glória - que me servisse de estafeta para levar-te a minha carta. Só assim, saudosa e falecida mãe, poderias receber minha carta na cidade onde vives, numa das lindas mansões que margeiam tua rua de ouro !

Beijos e abraços,

do teu filho:

Josa.