Sentimentos sobre Cuba: antes da viagem

Maceió, 13 de outubro de 2007 (antes de Cuba)

Kika!

Sou tua torcedora nata. Vivo alimentando permanentemente a tua felicidade e a de Davi, sem perder de vista a minha individualidade, essa é a maior razão do meu existir. Você está tendo uma oportunidade única, não somente pela pesquisa, mas por poder experimentar a vivência de um povo que paga um preço alto pela liberdade.

O conceito de liberdade dos revolucionários é diferente do nosso, para eles não basta a liberdade de ir e vir, se não há escola, trabalho, saúde, alimentação ... A "liberdade" do ir e vir poderá ser uma realidade também para esse povo se um dia o mundo se convencer que é possível partilhar bens produzidos. Não existe um modelo de mundo, Cuba não deve ser visto como modelo, mas como um sinal de esperança "UM MUNDO MEJOR ES POSIBLE". Vá

despojada de preconceitos, próprios do mundo capitalista, viva intensamente essa experiência. Dia 08/10/07 fez 40 anos do assassinato de Che Guevara, acho que vale a pena ler o texto a seguir. Beijão

AL - Che e a outra margem do rio

Selvino Heck *

Em outubro de 1967 eu estava no primeiro ano do Colegial (atual Ensino Médio) no Seminário Seráfico dos Franciscanos em Taquari, Rio Grande do Sul, tinha 16 anos. O que nos marcava na época eram os acontecimentos de 1964 – o comunismo está vindo por aí, foi restabelecida a ordem e a paz, era o discurso - (o General Presidente Costa Silva, que era de Taquari, chegou a ser homenageado em almoço no Seminário, nós éramos os que serviam as mesas todo orgulhosos), a perda vergonhosa da Copa em 1966 na Inglaterra e coisas

assim. Que eu me lembre, minha primeira manifestação política foi um texto que escrevi em 1968 sobre a Primavera de Praga, condenando a invasão soviética da Tchecoslováquia, numa ótica (minha) pela direita, de que a ditadura russa estava esmagando a liberdade americana e ocidental. Tudo isso pra dizer que Che Guevara e os acontecimentos na Bolívia passavam ao largo das nossas vidas de adolescentes que se formavam para a vida religiosa. Não tenho lembrança de ter ouvido falar da sua ida às montanhas da Bolívia e do seu assassinato em 8 de outubro de 1967, que agora completa 40 anos.

Até hoje não sei explicar (tenho impressão que a história de outros é semelhante à minha) como passei (ou estou tentando permanentemente passar) à outra margem do rio, lembrando a passagem do filme Diários de Motocicleta, de Valter Salles Júnior, que conta a viagem de Che da Argentina à Venezuela, quando ele toma consciência dos problemas da América Latina e alimenta a sua opção pelos pobres e trabalhadores. Na noite de celebração do seu aniversário, de acordo com o filme, Che festeja com médicos, religiosas e funcionários de um leprosário. Mas os leprosos estão separados pelo rio, estão na outra margem do rio, do lado de lá e não participam da festa. Os ‘sãos’ celebram. Os ‘doentes’ não estão convidados. Che, depois de um

discurso de agradecimento onde fala da unidade latino americana que haverá de acontecer, atira-se no rio, sob os protestos de todos, atravessa-o a nado e vai comemorar seu aniversário com os mais pobres entre os pobres. Está selada sua adesão à causa da transformação e à causa latino-americana.

O Che, que vira mito, continua produzindo coisas extraordinárias. Agora se revela que o suboficial boliviano Mario Terán, que deu o tiro fatal sob ordens militares, há pouco foi operado (tinha catarata) por médicos cubanos da Operação Milagre, plano oftalmológico exportado por Cuba para vários

países. E recuperou a visão sem pagar um centavo.

Diz o jornal cubano Granma: "A quatro décadas de Mario Terán tentasse com seu crime destruir um sonho e uma idéia, Che torna a ganhar outro combate. E continua em campanha".

O que interessa mesmo na vida do Che e na nossa: a outra margem do rio. Ali estão o futuro e a esperança. Lá não estão apenas os pobres, os deserdados, os humilhados e ofendidos. Há mais que isso. Lá estão os que se dispõem e podem abraçar a causa e o sentido da mudança. E são eles que vão fazê-la.

Eles e seus braços, eles e suas cabeças, eles e seus sentimentos. Não importa que sejam fracos fisicamente. Mas eles acreditam na vida, têm sonhos, querem a libertação. Não apenas a individual, a de cada um sozinho, mas a que sonha junto, a que é coletiva e solidária.

Se o Che não simboliza e revive isso, se ele é apenas um rosto numa camiseta, uma frase de um texto ou discurso, nesta América Latina que ainda está empobrecida e subjugada em muitos aspectos, não tem sentido celebrá-lo nos 40 anos. Pensar hoje, no século XXI, quem são os leprosos, os que estão na outra margem do rio é o desafio de cada um de nós, estando no movimento popular, na pastoral social, numa ONG ou mesmo em algum governo: os trabalhadores, em especial os desempregados, os catadores e recicladores, os quilombolas, os ribeirinhos, os indígenas, os carrinheiros, os que recebem o Bolsa Família, os pescadores.

Há sinais hoje de que o sonho do Che avança, consciências e vozes se juntam para realimentar seu desejo de unidade e libertação em todos os cantos da América do Sul e da América Latina. A Operação Milagro, não só a dos médicos cubanos solidários, está acontecendo nas ruas, praças e campos do Brasil, da Venezuela, da Bolívia, do Equador, da Argentina, do Uruguai, da Nicarágua, do Chile, do Paraguai, com e sem governos que se juntem ao canto coletivo. O povo dá um grito de liberdade. Contra os poderes estabelecidos, contra os hegemonismos históricos, contra a ditadura das potências colonialistas.

O Che é isso. Ou não é. Ou como diria Paulo Freire, está sendo.

* Assessor Especial do Presidente da República. Fundador e Coord. Do Movimento Fé e Política

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Recife, 21 de outubro de 2007

Oi mãe!

Lí seu e-mail com o texto sobre os 40 anos da morte de Che. Sensacional!

Saiba que estou indo sim, livre de preconceitos. Espero voltar bem mais amadurecida.

Sua fã incondicional, Chiara