Ao Meu Caro Amigo Álvaro de Campos

Caro Álvaro,

Antes de mais nada devo-lhe desculpas por tanto tempo de ausência. Não sei o que acontece, mas ultimamente tenho sido bastante relapso com minhas obrigações e isto inclui a leitura. Mas como dizem, não, "Antes tarde do que nunca!"

Confesso-te que esta vida de ausência para com o mundo, beirando mesmo a preguiça, tem-se mostrado bastante favorável. Essa idéia não me desagrada nem um pouco.

Sim, sei, sei que isso não é nada bom. Provavelmente o seu querido amigo Alberto Caeeiro me repreenderia eternamente. Mas você me entende, não é mesmo?

De qualquer, eu sabendo que esse tipo de vida não é das mais produtivas que um ser humano por levar, resolvi voltar ás minha atividades normais. No entanto, com uma diferença: retorno á elas de maneira bem calma, em doses homeopáticas. Como te disse, meu caro, realmente estou gostando dessa vida de nada fazer. O mundo que se exploda!!!!

Você realmente é o único que é capaz de me entender. E sendo o único neste mundo capaz de me entender, aproveito para encher seus olhos com minhas palavras melancólicas.

Meu caro amigo, entendo perfeitamente agora o seu sofrimento diante da pequena comendo chocolates. Era tal a felicidade dela que o mundo se resumia naquele chocolate, enquanto que o seu em nada se resumia. Amigo, perdoe-me por ter levado tanto tempo para compreender isto e ter-lhe dito somente "Que bela poesia!!! Longa não?", acompanhada de uma longa e deleitosa gargalhada (por favor, não me interprete mal, era gargalhada de mim mesmo referente ao comentário que lhe fiz a fim de brincar contigo apenas).

Hoje, meu caro amigo, me vejo completamente cercado de pessoas, das mais diferentes, amigos ou não, colegas ou não e simplesmente não me vejo ao redor delas. Meu caro amigo, sinto como se o mundo não me ouvisse e acabo concluindo que eu é que sou o errado para o mundo.

Ahh, meu caro Álvaro, como gostaria que estivesses aqui para podermos entrar nos bares e lá ficarmos até sermos enxotados completamente bêbados.

Entendes agora o porquê de minha ausência? De minha preguiça? Não intento nenhum pouco essa convivência mundial. Não quero! Mas é preciso! Mas eu não quero!!!

Escrevo-te essas linhas apoiado em um balcão de um bar qualquer, o qual não tenho a menor idéia do nome. Talvez, se prestares bem atenção conseguirás sentir o cheiro do álcool que exala de minha pele, minha boca, até do balcão.

Definitivamente, deverias estar aqui comigo!

É bem provável, que assim que essa bebedeira passar lerei estas linhas e não terei coragem de ir ao correio. E com toda certeza, mesmo com essa dúvida, eu irei ao correio e dentro de alguns dias você a receberá. E durante todo esse período, me remoerei de arrependimento de ter-te enviado essa carta. Mas meu caro amigo, somente um bálsamo para reconhecer outro bálsamo, não?

Estou ansioso para saber notícias suas e ler mais de seus poemas que me são tão verdadeiros e cotidianos!

Deixo-te um enorme abraço e torno a lembrar-te que estamos, todos nós, os boêmios, com saudades suas.