Eu prisioneira: o horror, a tragédia, e a comédia

Minha Querida EU,

espero que estejas bem e que continues o pôr pomada nos hematomas. Grande susto apanhámos, não foi? Pois não é que fiquei pela terceira vez trancada, desta vez no meu próprio quarto, porque o fecho avariou?? Bem, depois de quase me ter partido a mim, a tentar partir a porta, tive que mandar chamar os bombeiros! Valeram-me duas ou três boas amigas, três bombeiros e um agente da PSP! Ah, e a vizinha de baixo. Eu que detesto dar nas vistas, ver-me assim no epicêntro dum drama caricato e achincalhante! Era ver-me, da janela do 4º. andar a comunicar, através da janela, com os bombeiros. E um deles, novinho, muito sorridente, (muito estaladiço, com o devido respeito, claro), muito despachado a liderar as operações de salvamento da donzela (mais ou menos)!! Provavelmente era o seu primeiro arrombamento ...de porta. Bem, por volta das 4 horas, lá saí incólume. E é aqui que surge a tragédia e a comédia. Pois não é que eu estava de camisa (camisola, irmãos brasileiros) e robe curto, porque o comprido estava a lavar? Pois não é que estava com a roupa bem acima do joelho? Pior: não é que não tinha feito a depilação? E pensava eu: que figura, e se me enrolasse no edredon? E depois pensava, também, enrolada no edredon enorme, para parecer a abominável mulher das neves?

E depois tudo passou e eu, que era suposto estar a estudar para o meu doutoramento, com a cabeça feita em água, claro, aqui estou no RL, a escrever a mim mesma e a dar uma vista de olhos pelos respeitáveis colegas. E em boa hora, pois para além de comprovar que o Sitrucian MacEdge é BOM MESMO (mas não escreve nada desde 2007!) , e que o Wilson Guanais continua excelente, de poucas palavras e igual a si mesmo, ainda encontro um outro escritor - mesmo - Vaine Darde. São três homens que escrevem e têm coisas para dizer: histórias, emoções, silêncios. Homens completos, todos três de certo, muito interessantes. O Sitrucian deve ser algo fechado, o Wilson também. O imaginário do Sitrucian, de loucura, solidão e MORTE está bem perto do meu próprio imaginário. Ele também gosta de sonhar e escrever os seus próprios sonhos. Mas eu não sei escrever como ele. Não sei! Para além do mais, estou a passar uma fase parva. Espero que me passe rapidamente.

Na convalescença do meu encarceramento forçado, ridículo e triste, tive ainda a alegria de ler, na revista Os Meus Livros, um texto sobre o meu poeta (publicado) favorito: Daniel Maia-Pinto Rodrigues, o do poema "Dióspiro". E li também, na revista Sábado, uma frase, muito a propósito nestes tempos em que qualquer um publica uma porcaria qualquer e se intitula de escritor ou de poeta, dita por Pedro Paixão numa entrevista. À pergunta se se achava «uma estrela cintilante da literatura portuguesa», responde ele: «Sou mais um meteorito pequeno, rápido, prestes a desintegrar-se. Aliás, continuo a não me considerar um escritor. Seria demasiada responsabilidade para um medroso como eu.» São frases como esta, de pessoas que respeitam a Literatura, essa coisa de tão difícil definição, mais tão bem maior que a maioria de todas as outras em génio e criatividade, que me fazem recompor deste e de outros sustos. Mas também os textos destes três homens de que aqui falei. Dão-me segurança, um rumo, uma ideia de que tudo está onde deve, ainda que em estado caótico. Aí reside a verdadeira beleza.

Bom. Eu avisei, que estou em fase parva. Prova disso é o modo como desenvolvi este texto!! Eu avisei.

Adeus, minha querida EU. Um bom ano e um bom pé de cabra, não vá o diabo tornar a tecê-las.