Mãe...
Quero me lembrar de um carinho teu, de uma palavra de incentivo. Procuro tua meiguice e não a encontro; vasculho as poucas e boas lembranças, em meio a uma infância sofrida... as mais remotas, e nelas não encontro o teu colo, teu abraço, teu amor.
Sempre me mostras fotos, onde eu estou bem vestida... e dizes: - Estás vendo como eu cuidava bem de ti?
Oh! Mãe, o zelo aparente é para os de fora...
Queria ter recebido algo tão diferente...
Os meus cabelos crespos, nas fotos, estão bem presos. Que cuidado tinhas, para não mostrares que eram carapinhas... Quanta impaciência para penteá-los - como me doía; quantos puxões... De tanto os puxares mãe, me transformaste em uma afro-nissei.
Tu eras tão linda... Branca, afilada, cabelos negros, muito cheios e ondulados.
Os meus cabelos são iguais aos do meu pai, um afro-brasileiro, com o qual foste forçada a casar.
És tão distante, tão fria... Sinto-me órfã. Quando Deus te chamar para Si, não fará muita diferença... Eu nunca contei contigo.
Que te fiz? Não querias que eu nascesse? Não fui desejada? Que culpa eu tenho de ter nascido?
Como és diferente, no trato com o meu irmão mais novo, sempre tiveste muito amor por ele, e nunca fizeste questão de que eu e os meus outros dois irmãos víssemos, essa diferença.
Sei que tiveste uma vida sofrida, foste mal amada, incompreendida... Mas, mãe... Dá-me um pouco do que não tiveste, e assim, serás maior do que o ódio; abolirás a amargura e a dor, transforma o fel da tua vida em mel...
Não me dês essa herança.
Vou curar-me, mãe. Não farei com os meus filhos o que você fez conosco.
Toda escassez de amor que eu vivi, farei com que se transforme e se multiplique em carinho e amor para os meus filhos e netos.
(Na minha vida eclesiástica, convivo com pessoas com inúmeros conflitos n'alma. E me inspiro com algumas das experiências, que a mim chegam...)