NÃO ERA ISSO QUE EU QUERIA DIZER

Há muito tempo eu quero te contar...

Tenho tantas coisas pra te dizer!

Ah, se tu pudesses ver no meu olhar...

As coisas que eu guardo só pra te mostrar!

São tantas noites em claro num escuro quarto...

Palavras não ditas em páginas viradas

- As que ainda estão vivas emudecem as falas.

Mas hoje eu quero te contar como foi meu dia:

- O sol amanheceu, a vida viveu...

Eu nem vivi e nem morri. Continuo aqui...

Sabe amor, o que eu queria mesmo era viver.

Está vivo é um estado anopluro, passivo...

Eu sou um sujeito ativo... Que diacho!

Por que a vida tem tantos embaraços?

Estou olhando o crepúsculo agora...

É mais um dia que se despede mim e,

eu nem vi quando ainda estava aqui.

Escapole aos meus olhos a oportunidade

de acordar com o sol ainda no arrebol

Para quando entardecer, a luz do farol eu acender

Antes que a noite chegue e cobre meus deveres

que ainda estão por fazer.

Perdão, amor!

Não era isso que eu queria te dizer...

Mas foi isso que pensei ao me lembrar de você,

Que nem sei que é...

Ivone Alves SOL

Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser

Ridículas.

Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.

A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são

Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas.)

Fernando Pessoa /Álvaro de Campos, 21-10-1935