Relato Sobre Ralph Wüf

* Este texto está claissificado como "carta" por motivo de falta de classificação melhor.

Relato sobre Ralph Wüf

Quando conheci Ralph pela primeira vez ele era ainda menino, tinha cabelos negros que soavam notas azuladas e castanhas, seus olhos pareciam um mar profundo e triste, um reflexo do céu noturno em pleno azul. Ele não sabia ao certo quem era, mas tinha um vigor artístico que chegava à assustar. Tocava a flauta como eu toco a pena, e acreditava tanto na esperança quanto nos homens, ele vivia entre os sonhos.

A segunda vez que eu o vi, ele estava perdidamente apaixonado, tanto pela vida, como por amor e por alguém. Seus olhos de sonho estavam ainda mais encantadores, expressavam a cativa emoção e sua maior alegria. Entretanto, ele já estava começando a mudar, mas não percebia isso ao certo, seus cabelos começavam a se avermelhar como o de seus ancestrais, rubro-alaranjado e violento, ele estava conhecendo um lado muito mais forte que sua tolice, estava sendo abocanhado pelo seu egoismo desmedido, e por isso lhe ser tão novo e tão inconsciente, não percebia as conseqüências, e embora eu soubesse o que estava acontecendo, não sabia como o alertar.

No período de sua viagem decidida às pressas, estive cada vez mais próxima a ele, e pude ver sua evolução gradativa, vezes retrógrada, vezes progressiva, mas sempre variante, ele estava se tornando um homem forte às misérias da vida, mesmo que, em certos aspectos, medíocre. Ele tinha medo de crescer e acho que ainda tem.

Ele se apaixonou novamente, não só pela Vida, mas sobre esta não conseguia dissimula seu amor e confundia-se com a Morte, por esta ser tão próxima e invariavelmente ligada com o viver. Mu caro lupino apaixonou-se por aquilo que seus mais antigos ancestrais também se apaixonaram, pelas viagens. Amou o horizonte e as estradas, e ainda os ama, queria a liberdade da falta de destino e ruas imprevistas, queria caminhar pelo obscuro da terra e da alma, e adentrar as florestas mais escuras do Ser, desfolhando e desferrolhando as entranhas e estradas, etéreas estruturas compositoras da partitura das almas. Entretanto, os maus ventos sempre o acompanharam, e seu coração tão grande que podia comportar seus inúmeros amores, sofria por estrar sempre dividido. As vezes, esquecia que podia amar, mas sempre amava, mesmo sem saber.

Muita gente me pregunta se eu estava perto quando caiu ao abismo. Pela primeira vez, quando o abismo chamava-se loucura, não. Apenas soube por suas cartas o que havia se sucedido. Não pude o ajudar e tão pouco o acompanhar como deveria, porém, quando ele caiu no abismo de si, eu não estava só próxima dele, como dentro dele, e senti cada nota da dor que seus ganidos emitiram, senti o sabor salgado e picante da fúria que ardia em sua boca, e pude beber do gosto amargo de suas lágrimas. Ele traíra à si e fora traído. Conheceu-se, sim, até o fundo, ao ponto de tornar-se desgraçadamente ignorante e sabê-lo ao fundo. E quando despedaçado acordou, eu pude ver seus olhos tornarem-se opacos e febris, estava desolado e tinha visto a própria vida diante de seus olhos, logo depois disso, nos separamos. Não tão bruscamente como muitos acham, mas delicada e demoradamente, aos poucos. Fomos nos vendo menos, e agora que ele era de seu próprio reino, suas responsabilidades (e tédios) viraram outros. Ele está(va) em torpor.

Hoje não sei como ele se encontra, não vieram (ainda) me informar sobre sua morte, acredito que está longe, de fato. Todavia, não me encontro mais com ele, as vezes tenho notícias de amigos antigos, como Ravenus, e mesmo este está mudado, acredito que tenha acontecido o mesmo com o meu querido amigo. Só queria as vezes que ele me escrevesse...

Ralph Wüf é um dos maiores tolos que já conheci, uma grande alma artística, admito, e ainda assim um dos mais desgraçados e importunados pela Sorte. Não que isso não seja uma forma de amor...

Carinhosamente,

R. Duccini