CARTA AO ALÉM

Alma gêmea de minh’alma, hoje completam quatro anos desde que você se foi. Desde então, muita coisa aconteceu. Queria ter ido contigo ou, até mesmo, em seu lugar, já que aqui ficaram pessoas que precisavam (e ainda precisam) mais de você do que de mim. Mas não me foi dado o direito de decidir, nem mesmo contestar.

Você, simplesmente, se foi.

Fiquei sem chão. Deprimido e catatônico, pensei estar mais próximo de reencontrá-la do que esperava. Não posso negar que foi um pensamento agradável em meio à turbulência em que se tornou minha vida. Queria morrer e não tinha coragem de pôr termo àquilo em que minha ela se transformara.

Quatro longos anos...

Para não ver o tempo passar, ou para recolocar a cabeça em ordem, não sei bem, mergulhei fundo no trabalho, esquecendo-me, muitas vezes, até mesmo de me alimentar. Não busquei conforto nem consolo. Busquei, apenas, manter-me vivo, já que é o mínimo que se deve fazer com esse dom que Deus nos deu.

Nem sempre acertei, isto é, tive acertos e erros durante esse tempo. Não sei dizer quais deles em maior quantidade.

Ainda guardo sua coleção de chaveiros do Piu-Piu (não como lembrança pois se precisasse de algo para me lembrar de você estaria afirmando a possibilidade de esquecê-la algum dia, o que é impossível). Guardo-os como uma homenagem a você, que deles tanto gostava.

Nossas filhas estão adultas e morando em nossa cidade-natal. Mas você já o sabe, estou certo. Ambas sofrem, também, com as saudades de você.

Tenho uma notícia boa. Fiquei muitos meses sem fumar. Entretanto acabei retomando o velho vício após ter sido julgado, condenado e executado por haver falseado na determinação de não voltar a fazê-lo.

Nesse meio tempo, não posso negar, apaixonei-me novamente, mesmo não tendo deixado de amá-la nem por um segundo. Não busquei substituí-la, jamais. Apenas me mantive vivo, até mesmo porque, como sabe, a filosofia e a fé que professo me ensinaram que se buscasse reencontrá-la onde está, só conseguiria ir para mais longe de você. Encontrei pessoas que queriam o status de aparecer em público ao lado do artista, esquecendo-se do homem e da pessoa humana que sou.

Encontrei quem dissesse me amar e, no entanto, se aprazia em alfinetar-me o coração com joguinhos que acabaram por me afastar definitivamente.

Houve, acredite, quem dissesse me amar e, no dia seguinte, negasse essa afirmativa. Cheguei a me sentir querido, desejado, amado até e, por fim, descartado. Meus defeitos suplantaram as qualidades, me parece. Só você me aceitou em sua vida como sou, fechando os olhos a eles, sem jamais me cobrar nada, porém, tendo a certeza de que me venho burilando há anos. Acho que as pessoas não estão acostumadas ou preparadas para ser amadas da única forma que sei amar: Com entrega e dedicação integral, como me entreguei e me dediquei a você.

Tudo o que aqui digo é para que saiba que tenho ciência de que ninguém, ninguém mesmo, me amou nem soube ser amada como você.

Ainda canto as músicas das quais você gosta e, às vezes, me pego chorando quando o faço.

Quatro anos se passaram e, sem exagero, dói como se tivesse sido hoje. Fomos felizes por vinte e quatro anos, embora eu reconheça que sempre estive aquém do que você merecia.

Hoje, após decorridos quatro anos desde que você se foi, refaço, nesta carta, o segundo juramento que fiz em minha vida, no momento em que era sepultada:

"Rogeria, juro que vou te amar para sempre!"

Que Deus a abençoe sempre, querida.

Júlio

Júlio Marques
Enviado por Júlio Marques em 09/02/2010
Reeditado em 22/08/2013
Código do texto: T2077179
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