Carta a Kerouac (parte II)

Suas alegorias insanas me trazem lembranças do tempo em que as esquinas me eram menos sombrias e fétidas. De quando os olhos alheios não me causavam asco e não me chicoteavam danos.

As humanidades nunca me proporcionaram pão e vinho e se não fosse minha capacidade de abstrair talvez não tivesse sobrevivido.

Mesmo assim, Kerouac, doei-me a seus devaneios por altruísmo, de maneira simples e cívica me coloquei em seus braços magros e jovens como quem se entrega com gosto ao seu carrasco.

Nos becos o caos, a selvageria, a desordem e o atentado ao próximo sempre me acompanharam de perto, mas era jovem e inconsequente, nada me atingia em cheio!

Nós nunca almejamos arco-íris ou chuva de meteoros!

Enquanto você me esperava em casa com a perna quebrada, por tantas rasteiras da vida, eu me vendia por bebida e diversão. Por horas, dias e anos estranhos meteram a mão por baixo de minhas saias arrancando-me ralos pudores, deixando esmolas e levando gozos recolhidos.

Não estou reclamando, aprendi contigo a não me arrepender de nada! E o vil metal que troquei por mim comprou-me ovos fritos, conhaque e companhia sua.

Larissa Marques
Enviado por Larissa Marques em 03/05/2010
Reeditado em 03/05/2010
Código do texto: T2234823
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